quinta-feira, julho 12, 2007

Património Espeleológico dos Açores – Riqueza ainda por explorar

As grutas naturais são, na sua maioria, abertas em formações calcárias geralmente escavadas pela água. Nos Açores, elas são formadas por correntes de lava. Ao escorrer, a zona superficial de lava arrefece e endurece antes da lava subjacente. Quando o jorro de lava cessa pode deixar como que uma casca, formando-se então num túnel.

No arquipélago dos açores, região particularmente rica em cavidades vulcânicas foram os «MONTANHEIROS», de Angra do Heroísmo, os pioneiros da exploração de grutas e algares, sobre tudo na ilha Terceira, onde possuem localizadas e exploradas 34, no Pico e em S. Jorge. Em S. Miguel, apesar de vários entusiastas individualmente ou em grupo se terem dedicado à espeleologia, só o ano passado foi iniciada, pelos AMIGOS DOS AÇORES, uma pesquisa e exploração organizadas tendo por objectivo a inventariação do património espeleológico da ilha com vista a abrir caminho a um posterior estudo cientifico e a um desejável aproveitamento turístico.

Já Gaspar Frutuoso, ao descrever o litoral de Ponta Delgada, nas “Saudades da Terra”, nos dá notícias de túneis vulcânicos a poente da referida cidade: «além, a pouco espaço da fortaleza para oeste esta uma ponta que se chama a ponta dos algares, porque saiam ali dois com suas bocas, por dentro dos quais se caminha grande caminho por baixo da terra, por cujo vão parecer que correu na Ribeira de Pedra de Biscoito, em outro tempo, não sabido nem visto».

Desde os tempos mais remotos as grutas naturais foram percorridas e acarinhadas pelos habitantes destas ilhas e alvo da visita de estrangeiros ilustres. Walter Frederic Walker no seu livro «The Azores or Western Island», publicado em 1886 faz uma descrição minuciosa da gruta existente num campo da rua Formosa – hoje, secadores da Fábrica de Tabaco Micaelense, na rua de Lisboa. Tal como Fouquê, que descreve um conduto ovalar na ilha Terceira e Hartung que descreveu a Furna da Graciosa e outros algares dos Açores, John Webster, genro de primeiro cônsul americano. Thomas Hickling dedica um capítulo do seu livro ao relato de uma excursão a uma caverna situada a «cerca de 3 a 4 milhas a noroeste de Ponta Delgada».

M. Emygdo da Silva, jornalista continental, no seu trabalho «S. Miguel em 1893», considera o Algar da Rua Formosa o mais notável dos túneis vulcânicos dos Açores embora o de Angra seja também interessante pela sua secção, que chega a atingir uma altura de 5 a 6 metros e a largura de 10. É ainda deste ilustre autor que visitou o referido túnel na companhia de Afonso Chaves, o seguinte relato: «A abobada do túnel, da qual pendiam grossos e negros estalactites, as paredes laterais que se diriam guarnecidas de lambris muito moldados, e que marcam o tempo das paragens que a lava teve no seu movimento progressivo, as bocas das pequenas galerias que comunicam com esta…; aqui e alem um pequeno desabamento indicando que a exploração não é isenta de perigo; o solo irregular é de uma dureza vítrea, como a do átrio do Cavalo, no Vesúvio, tudo isto banhado pelo deslumbrante do magnésio, constitui um dos espectáculos mais empolgantes e mais grandiosos que o Dante certamente não rejeitaria para fazer passar alguma cena do inferno».

A título de curiosidade interessa registar que André Thevé, historiógrafo e cosmógrafo do Rei Henrique III, que teria visitado este arquipélago depois de 1550, fala na sua «Cosmographie Universelle», editada em 1575, numa gruta «para a parte do setentrião» onde encontraram «dois monumentos de pedra, cada um dos quais não tinha menos comprimento de doze pés e meio, e de largo quatro e meio». Pura fantasia que ainda em 1962 o escritor Robin Byrans quando esteve nos Açores estava convencido da sua existência bem como dos monumentos atribuídos aos judeus.

Até há tempo soterradas, a servir de esgoto ou lixeira, as grutas naturais além de constituírem um nó importante de explicação científica do nosso meio natural são parte integrante do património paisagístico (neste caso subterrâneo) e como tal deveriam merecer todo o respeito por parte de todos nós, em particular das entidades responsáveis pelo turismo e ambiente dos Açores, devendo, depois de efectuados pequenos trabalhos de limpeza, ser integradas nos roteiros turísticos.

O bom acolhimento dado, pelos vários organismos oficiais, às preocupações e sugestões dos AMIGOS DOS AÇORES para defesa e salvaguarda do património espeleológico leva-nos a concluir que finalmente aquela singular riqueza vai ter um tratamento tão digno como o que merece.

Embora sejamos de opinião que as grutas naturais devam ser protegidas não somos contra a sua abertura ao público. Defendemos que deveriam ser aproveitadas turisticamente 2 ou 3 grutas por ilha, sendo a sua abertura feita em moldes diferentes do tradicional. Haveria um grupo de guias que acompanhariam os visitantes como se tratasse de uma expedição espeleológica. As restantes destinar-se-iam exclusivamente a expedições científicas.

A riqueza espeleológica dos Açores merece ser estudada cientificamente por equipas construídas por especialistas dos mais diversos ramos das ciências naturais. No seu trabalho apresentado nas Primeiras Jornadas Atlânticas de Protecção do Meio Ambiente, o Dr. Pedro Omori, um dos membros de expedição cientifica da Universidade da La Laguna que se deslocou aos Açores no passado mês de Julho para estudar a fauna cavernícola, escrevia: «Era bom que os próprios açorianos fossem quem o fizesse, pelo que sugerimos aos organismos administrativos e à Universidade dos Açores a possibilidade de abrir um ramo de investigação naquele sentido. Se não se promove quanto antes virão fazê-lo outros e os açorianos perderão a oportunidade de enriquecer por si próprios o conhecimento do seu património».

Já em 1862 o grande naturalista Barbosa du Bocage afirmava: «é tempo de estudarmos por nossas cabeças o que é nosso…».

(Publicado no “Correio dos Açores”, 9 de Agosto de 1990)

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