terça-feira, julho 31, 2007

Dia Mundial da Floresta- A Floresta Primitiva dos Açores


Não tendo em conta líquenes musgos, nos Açores existem cerca de 960 espécies de plantas naturalizadas (Le Grand, 1985). Destas, cercas de 280 são autóctones, sendo as restantes introduzidas, voluntariamente ou não, desde o povoamento do arquipélago no séc. XV. Do conjunto de plantas autóctones destacam-se 63 espécies endémicas, isto é, que não existem sob a forma espontânea noutra parte do globo (Dias, 1987).

Outrora coberta por frondosa e verdejante vegetação, desde a beira-mar ao cume dos montes hoje apenas 10% da superfície das nove ilhas constituintes do arquipélago dos Açores está revestida de florestas e só 1% de vegetação natural (Le Grannd. 1984).

Em Julho de 1988, em entrevista concedida ao jornal “O TELÉGRAFO” da cidade da Horta, o botânico sueco Erik Sjogren afirmava: “É terrível o ritmo da evolução do desaparecimento da floresta primitiva nos Açores que desde a minha primeira vista, por volta de 1960 teve uma diminuição da ordem dos 25%”.

A situação da flora indígena é deveras dramática já que aquela tendência não parece abrandar, encontrando-se de algum modo, ameaçadas de extinção 26 das 55 espécies vasculares endémica (Furtado 1984).

A DESTRUIÇÃO DO COBERTO FLORESTAL PRIMITIVO

Os primeiros povoadores encontraram estas ilhas totalmente cobertas de árvores e arbustos de tal modo que tiveram de fazer grandes queimadas com o objectivo de abrir clareiras para se instalarem e para a introdução de culturas e gados.

A vegetação primitiva também sofreu danos de vulto com as erupções vulcânicas que ocorreram nestas ilhas. Gaspar Frutuoso fala de “picos limpos e esburgados de todo o arvoredo”.

De 1500 a meados do séc. XIX, a agricultura desenvolveu-se e assistiu-se às crises que levaram ao desaparecimento de várias culturais industriais.

A procura da lenha após o povoamento foi tão intensa que no século XVI “as ordenações do reino, passam a fazer sentir-se mais de perto, levando os municípios a mandar plantar árvores nos baldios e em todos os lugares para isso igualmente convenientes, ao mesmo tempo que lhe impõe a obrigação de as mandar defender e guardar”.

Com a exportação de laranja para a Inglaterra, sobretudo a partir de 1747, a economia atinge o seu auge e, simultaneamente, divido à cessação de importação de madeira do Continente para fazer as embalagens daquele fruto, foram derrubadas grandes áreas de arvoredo (Moreira, 1987).

Se até 1800/1850 uma parte significativa das zonas de altitude permanecia ainda selvagem, por volta de 1890 começa a grande procura de madeira para o fabrico de embalagens para os frutos exportados, sobretudo do ananás. Por esta altura, a desflorestação ronda os 250 ha/ano e assistiu-se à introdução de espécies exóticas em grande escala, como o pinheiro, a criptoméria e a acácia. A utilização de leivas para a cultura do ananás, em S.Miguel, tem provocado alterações e desequilíbrios na paisagem e a destruição da flora característica de grandes altitudes.

Com a intensificação, a partir de meados deste século, da pecuária poucos são os recantos que ainda não foram atingidos, para tal basta que a máquina chegue e com a plantação da criptoméria, muitas vezes em locais sem viabilidade de exploração e já abandonados, a floresta primitiva está a diminuir consideravelmente e aumenta o risco de extinção de algumas espécies suas constituintes.

Regista-se ainda o facto de algumas espécies introduzidas com fins ornamentais, como a conteira, o gigante, a cletra, a lantana, etc… terem-se tornado infestantes e trazido problemas graves para as áreas naturais.

A IMPORTÂNCIA DA FLORESTA PRIMITIVA E DE ALGUMAS DAS ESPÉCIES SUAS CONSTITUINTES


A floresta primitiva desempenha um papel fundamental na regularização dos caudais das principais linhas de água. A sua destruição provoca alterações no meio, criando um tipo de vegetação mais exigente em água, à base de musgão (Sphagnum). O que modifica os fluxos hídricos, tornando-os mais irregulares (Le Grand. 1982). A sua substituição por prados tem provocado o aparecimento de afloramentos rochosos, a grandes altitudes. De registar que alguns já se encontram abandonados e cobertos por silvado.

De uma riqueza floristica bastante grande, pela sua originalidade já é um dos atractivos para um turismo de qualidade que se pretende para estas ilhas, pela sua riqueza em endemismos a floresta primitiva apresenta grande interesse do ponto de vista científico. Segundo Erik Sjogren: “a flora e a vegetação dos Açores oferecem excelentes facilidades para os estudos no campo da taxonomia, geografia, sociologia, ecologia, genética das plantas bem como para a história da vegetação”.


A importância económica e médica da nossa flora só poderá ser avaliada pelas gerações vindouras. Com efeitos, é cada vez mais frequente a utilização de plantas indígenas no combate às doenças à má nutrição. Recordo que algumas plantas indígenas são ou já foram utilizadas medicinalmente.

A floresta primitiva, desde o povoamento, forneceu matérias-primas e energia para quem aqui passou a residir. Foram os ramos de cedros-do-mato, azevinhos, paus-brancos, tamujos, urzes e queirós que iluminaram as noites dos primeiros povoadores. Foi a partir da baga de louro que foi extraído o primeiro óleo de origem vegetal utilizado nos Açores. O Dr. Francisco Carreiro da Costa diz-nos que aquele era muito apreciado e por isso resultavam grandes danos nas matas particulares e matos dos concelhos.

Termino, apresentando alguns exemplos de espécies de flora autóctone utilizadas para os mais diversos fins:
- A faia-da-terra é usada em sebes e dela chegou a produzir-se um carvão medicinal utilizado como “absorvente de gases do estômago e intestinos”. Também era utilizada em tinturaria para a preparação de uma coloração amarela.

- O cedro-do-mato foi utilizado pelos antigos na construção de igrejas, conventos e barcos, era empregue em tinturaria para a obtenção do cinzento-escuro e avermelhado. Trata-se da mais nobre essência dos bosques do arquipélago.
- O óleo da baga de louro para além de ser usado na iluminação era excelente remédio para a cura das feridas do gado e, com a sua madeira, leve e resistente, faziam-se charruas e cangas para as juntas de bois.
- A urze era usada em tinturaria para a obtenção do verde e no fabrico das vassouras.
- A madeira do folhado era usada no fabrico de alfaias agrícolas e a do pau- branco era muito procurada para a construção de carros.
- A madeira de azevinho, sanguinho e gingeira-do-mato era muito utilizada em obras de marcenaria.
- O fruto da camarinha era utilizado no Pico e os da uveira-da-serra (romania) são muito agradáveis sobretudo em compota.Da baga da uveira da Madeira (espécie muito semelhante à nossa) produz-se uma compota que segundo a tradição é bom remédio para a tosse e o catarro. Também nos últimos anos aquela baga foi exportada para um laboratório em França para o fabrico de um medicamento oftalmológico (Quintal, 1989). Não terá a nossa idênticas propriedades?
- A murta planta apreciada pela fragrância das suas flores era utilizada para fins medicinais e de perfumaria. Chegou a ser exportada da Inglaterra onde as suas folhas eram usadas no curtimento de peles.


A PROTECÇÃO DO COBERTO FLORESTAL


A protecção do nosso património natural (incluindo a floresta primitiva) só se tornará eficaz quando na região for implementada uma efectiva politica de ambiente, intimamente ligada a um ordenamento territorial e à gestão racional dos recursos naturais.

A criação de Reservas Naturais se fosse acompanhada da rápida aprovação dos seus Regulamentos Gerais e da criação de redes de vigilância adequadas poderia contribuir para a protecção da flora in situ.

As associações de defesa do ambiente têm alertado a opinião pública e as entidades oficiais sobretudo através dos meios de comunicação social para a situação em que se encontra a floresta primitiva dos Açores. Por enquanto, não se prevê a sua participação nos Conselhos Gerais das áreas protegidas e o próprio direito de consulta consignado na lei nº 10/87 de 4 de Abril, tem-lhes por vezes sido negado.

Na ausência de conservação eficaz in situ, torna-se urgente a criação de jardins botânicos a fim de cultivar algumas das espécies mais ameaçadas.

Com o objectivo de salvaguardar algumas espécies da nossa flora e servir de instrumento de formação e informação para todos os que se dignem visitá-lo, em Janeiro de 1987 surgiu o projecto de Jardim de Flora Indígena dos Açores. Situado na freguesia do Pico da Pedra, em terreno pertencente à Casa do Povo local no nosso jardim encontram-se 25 espécies que se têm aclimatado bem. É a nossa intenção num futuro próximo realizar por algumas escolas acções de sensibilização e criar um viveiro como o objectivo de fornecer a todos os interessados exemplares da nossa flora autóctone.


BIBLIOGRAFIA


Boletim da Comissão Reguladora dos cereais do Arquipélago das Açores (Diversos).
DIAS Eduardo – “ Património Natural dos Açores um legado pelo qual somos responsáveis”, in A UNIÃO, 20 de Maio de 1987.
Furtado D., SJORGREN. E., LE GRAND. G. – “Pico da Vara uma zona de valor internacional a preservar”. Ponta Delgada, 1982.
Furtado D.S., “Status e distribuição das plantas vasculares endémicas dos Açores”. in
Arquipélago nº 5 Ponta Delgada, Julho de 1984
HANSEN, A. & SUNDING P., Flora of Macaronesia Checklist of vascular plants”, in Sommerfeltia. nº 1 Oslo. 1985.
LE GRAND, G., “Ornithologie et conservation aux Açores”, Universidade dos Açores, Ponta Delgada 1984
Lei das associações de defesa do ambiente (lei nº 10/87-D.R.I série nº 79 de 4/4/87).
MOREIRA, José Marques,“Alguns aspectos de intervenção humana na evolução da paisagem da ilha de S. Miguel (Açores)”. Serviço Nacional de Parques Reservas e Conservação da Natureza, Lisboa, 1987.
QUINTAL & CAIRES, Celso,“Madeira da floresta primitiva ao jardim Botânico actual”, Clube de Ecologia Barbusano, Esc. Sec. Francisco Franco, Funchal, 1989
SJOGREN, E., “Flores”. Direcção de Turismo. Horta, 1985

(Publicado no “Açoriano Oriental”, 21 de Março de 1990)

Sem comentários: