terça-feira, janeiro 19, 2010

INCINERAÇÃO, NÃO OBRIGADO!

INCINERAÇÃO, NÃO OBRIGADO!

Tinha jurado a pés juntos não emitir qualquer opinião acerca do estudo de impacte ambiental da Ampliação do Sistema de Tratamento de Resíduos da Ilha de S. Miguel, ou melhor construção de uma Incineradora. Contudo, ao ter acesso, através de uma Junta de Freguesia*, ao relatório não técnico achei por bem dar o dito por não dito.

Em primeiro lugar, considero que as discussões públicas (ou privadas) dos estudos de impacte ambiental apenas servem para cumprir formalidades legais, já que parece que as decisões são tomadas à partida.

Em segundo lugar, os resumos não técnicos parece que são escritos para atrasados mentais, são tão resumidos que nada dizem ou esclarecem. Teria muito gosto que fizessem uma leitura comparativa de dois relatórios não técnicos de projectos completamente diferentes. Facilmente chegarão à conclusão que, no geral, dizem a mesma coisa, isto é, não haverá qualquer problema, os impactes negativos serão apenas durante o período das obras, depois de concluídas estas, tudo será uma maravilha e que com a implementação do proposto haverá criação de muitos postos de trabalho, esquecendo-se de que as mortes nas estradas também criam postos de trabalho e que eventuais alternativas poderiam criar muitos mais.

No que respeita à gestão dos resíduos sólidos urbanos, penso que a questão está errada à partida. Antes de se ter decidido pela queima dos resíduos deveria ter-se estudado os prós e os contras das diversas alternativas possíveis, incluindo a incineração, claro!

Do meu ponto de vista, a solução encontrada foi a mais “fácil” pois não implica a participação do cidadão na gestão dos resíduos, está intimamente ligada ao fomento do consumismo e do desperdício e, pior, inviabiliza a aplicação de princípios universais, como é o dos três Rs : Reduzir, reutilizar e reciclar.

Pois alevá, dos ambientalistas e consumistas neoliberais ou socialistas**, e outros, que temos nas autarquias e não só, não se esperava outra coisa.

Bem, como o arrasoado já vai longo, vou fazer uma breve referência, não se esqueçam que isto é um parecer não técnico e de borla, ao que vem escrito no dito cujo documento.

Na pág. 14 diz-se que há poupança de combustíveis fósseis. A este propósito poderia enumerar n documentos que dizem o contrário. Aqui vai uma citação para o caso espanhol:

“ La incineración, es un derroche de energía. Así, el reciclaje de las 14.424.430 toneladas de RSU generadas en España produciría un ahorro de energía 3,95 veces superior a la que se obtendría mediante su incineración. Esta energía ahorrable equivale a la contenida en 9.929.142 toneladas de carbón, cantidad superior a todo el consumo de carbón de importación de las centrales térmicas españolas. Es decir, que reciclando en vez de incinerando los RSU españoles se podrían cerrar las tres centrales térmicas de carbón de importación: Carboneras (Almería), Los Barrios (Cádiz) y Pasajes (Guipuzcoa), dejar de quemar carbón de importación en todas las demás centrales térmicas y todavía podríamos cerrar otra central térmica de carbón nacional, como la de Soto de Ribera (Asturias).

Ainda no que diz respeito à questão da energia, seria interessante saber, primeiro se a que será produzida é necessária ou não, e, em segundo lugar se vai ou não inviabilizar outros investimentos em energias renováveis. Além disso, importa também esclarecer que o melhor (mais verde!) kwh não é o mais renovável, mas sim o que não é consumido! (mal consumido, claro!)

Na pág. 18, diz-se que os riscos para a saúde são muito reduzidos. Para não perder tempo, e voltando à mesma fonte, podemos concluir que nem sempre é assim. Senão vejamos:

“La incineración de RSU es una fuente importante de contaminación ambiental, a través de las emisiones tóxicas al aire, y de las cenizas, también tóxicas, que se producen durante el proceso y que tienen que depositarse en un vertedero de seguridad. Este sistema no elimina, por tanto, la necesidad de vertederos.
El sometimiento a la normativa comunitaria, nacional y autonómica no garantiza la protección del medio ambiente y la salud pública, pues no contempla el riesgo de acumulación y magnificación de los niveles de dioxinas y metales pesados en la cadena alimentaria, estando el ser humano al final de la misma.”

Ainda relativamente a questões de saúde aqui ficam alguns exemplos:

• España, Niveles elevados de tioéteres en orina, un biomarcador de exposición a tóxicos, en niños que viven cerca de una planta incineradora de RSU (residuos sólidos urbanos).
• Finlandia, Proporción elevada de mercurio en el cabello de las personas que viven cerca de una incineradora de residuos tóxicos y peligrosos.
• Alemania, Niveles elevados de ciertos PCBs en la sangre de niños que viven cerca de una incineradora de residuos tóxicos y peligrosos.
• Japón, Incremento significativo de los niveles de dioxinas en tejidos corporales de personas que viven cerca de la incineradora de RSU.
• Estados Unidos, Aumento de los síntomas respiratorios como: enfermedades pulmonares, dificultad en la respiración, tos persistente y bronquitis, en personas que viven cerca de una incineradora de residuos tóxicos y peligrosos.
• Reino Unido, Incremento de dos veces la probabilidad de mortalidad por cáncer infantil en un estudio realizado a personas que viven cerca de 70 incineradoras de RSU y 307 incineradoras de residuos hospitalarios.
• Suecia, Incremento de 3.5 veces la probabilidad de mortalidad por cáncer de pulmón en trabajadores de una incineradora de RSU.
• Italia, Incremento de 2.79 veces la mortalidad por cáncer de estómago en trabajadores de una incineradora de RSU.

* Tanto quanto me é dado saber, as Ongas, Organizações não Governamentais de Ambiente não tiveram acesso ao documento, nem lhes foi solicitado qualquer parecer. À AMISM basta-lhe que sirvam de jarra numa Comissão que criou, mas que deixou de reunir quando a incineração passou a ser a solução milagrosa para a questão dos resíduos sólidos urbanos.

** A propósito destes, diz-se que andam preocupados com a previsível subida da direita extrema ao poder, no próximo mês de Outubro. Coitados, não foram eles que puseram indivíduos da dita cuja no poder, em empresas públicas e não só. Quantos reciclados estão, hoje, tachados? E quantos já voltaram aos alfaiates?

TB

Texto de 2004

sexta-feira, janeiro 08, 2010

INCINERAÇÃO VERSUS POLITICA DOS TRÊS Rs OU LIXO ZERO RAZÕES PELA SEGUNDA OPÇÃO

TB


1- RECORDANDO UMA TOMADA DE POSIÇÃO DE JUNHO DE 1994


“Todos sabemos que um dos mais graves problemas ambientais que a socieda¬de açoriana enfrenta é, sem dúvida, o dos resíduos. É cada vez mais frequente encontrar montanhas de lixo nos locais mais inesperados e desadequados. O problema, parece-nos, é tanto cultural como institucional. Se é verdade que muito do lixo que cobre vastas áreas costeiras e interiores das nossas ilhas foi para ali, indiscriminadamente, deposi¬tado por particularidades, também é verdade que a gestão do serviço público de recolha e destino final de resíduos deixa muito a desejar. Basta ver onde e como são muitas das lixeiras ou vazadouros municipais actuais, basta ver as limitações dos serviços de recolha, em particular de resíduos especiais, os quais, por vezes, nem sequer mesmo existem”.

Se é verdade que as chamadas lixeiras municipais têm os dias contados, não é menos verdade que a quantidade de lixos espalhados por toda a parte não tem parado de aumentar. Para evitar as situações referidas naquela altura, recordando propostas anteriores, a associação Amigos dos Açores considerava urgente que:

1- a região fizesse aprovar legislação sobre a gestão de resíduos, complementando-a dos indispensáveis meios que permitam a sua aplicação clara e impiedosa, com particular realce para as elevadas penalizações sobre deposições indiscriminadas de resíduos por particulares;
2- se promovessem campanhas de sensibiliza¬ção das populações para a necessidade delas próprias gerirem mais convenien¬temente os seus resíduos, quer evitando ao máximo a existência dos mais problemáticos, quer procedendo à respectiva selecção por tipos, para facilitar o seu futuro tratamento.
3- houvesse incentivo à reutilização e à reciclagem dos resíduos, a exemplo da tendência actual na maioria dos países desenvolvidos.

Ande-se pela ilha e verificar-se-á que a situação não se alterou muito e o que foi feito para incentivar a redução, a reutilização e a reciclagem. Criminosamente quase nada, porquê, incompetência ou estavam à espera da milagrosa incineradora?


2- O MITO DA CRIAÇÃO DE EMPREGOS


A incineração cria menos empregos do que um sistema de compostagem e reciclagem. De acordo com Silva (2002), por cada emprego criado por uma incineradora se o investimento fosse na área da reciclagem poder-se-iam criar até 15 empregos, podendo esta proporção ser ainda maior, dependente da quantidade de resíduos tratados.

Porque razão continuam a acenar com a cenoura dos empregos criados pela incineração? Má fé? Ou pensam que só eles é que são detentores do saber?


3- A FRAUDE DA ELECTRICIDADE VERDE E DA INCINERAÇÃO COMO PRODUTORA DE ENERGIA


Conhecida como produtora de Energia, visto poder produzir electricidade, uma análise detalhada do ciclo de actividade revela que as incineradoras gastam mais energia do que produzem. Isto é, com a reciclagem dos materiais queimados poupar-se-ia mais energia do que a que é libertada pela queima dos mesmos.

Além disso, a electricidade gerada pelas incineradoras não pode ser considerada electricidade "verde", pois muitos dos resíduos queimados são plásticos derivados do petróleo.

Por último, derivado do cumprimento do protocolo de Quioto, as incineradoras vão ter de pagar uma taxa sobre as emissões de CO2 produzidas, cujo valor é bastante elevado.

Porque razão apareceu um responsável do projecto a falar, na RTP- Açores, em electricidade verde? Apenas publicidade fraudulenta ou por não saber que a verdadeira electricidade verde é aquela que não é (mal) consumida?






4- A MENTIRA DA INOCUIDADE DO PROCESSO PARA A SAÚDE


Os operadores das incineradoras afirmam várias vezes que as emissões estão sob controle, mas as evidências indicam que este não é o caso. São inúmeros os exemplos que seria fastidioso enumerá-los.

As dioxinas são os principais poluentes associados às incineradoras. Estas são os causadoras de uma grande variedade de problemas de saúde que incluem o cancro, danos no sistema imunitário, problemas reprodutivos e de desenvolvimento. Esta tecnologia é a principal fonte de dioxinas a nível mundial.

As incineradoras são a maior fonte de poluição por mercúrio, sendo a sua contaminação de vasto alcance, prejudicando tanto as funções motoras, sensoriais como cognitivas. São também uma fonte significativa de poluição por metais pesados tais como o chumbo, cádmio, arsénico, crómio e berílio.

Outros poluentes que causam preocupação incluem hidrocarbonetos halogénicos, gases ácidos, que são percursores da chuva ácida; partículas que prejudicam as funções pulmonares e gases que provocam o efeito de estufa. Contudo, a caracterização das descargas de poluentes das incineradoras ainda está incompleta; existem nas emissões gasosas e nas cinzas muitos componentes não identificados.

De acordo com relatórios do Greenpeace, do Centro Nacional de Informação Independente sobre os Resíduos (CNIID) e da prestigiada revista de saúde “Lancet”, o facto de viver próximo das incineradoras ou de trabalhar nelas está associado a um conjunto vasto de efeitos sobre a saúde que inclui o cancro, problemas respiratórios, doenças do coração, efeitos no sistema imunitário, incremento de alergias, perda de fertilidade, malformações congénitas, etc.

Então, os proponentes não sabem disto? Ou sabem e escondem ou acreditam cegamente que as tecnologias são capazes de resolver tudo. Estou convicto que apenas se preocupam com o imediato, mais ou menos o período que medeia dois actos eleitorais.

5- DEVEMOS CONFIAR NA MONITORIZAÇÃO E NO GUARDA CHUVA DA COMUNIDADE EUROPEIA

O secretismo e a falta de transparência em todo o processo que irá conduzir (?) à incineração dos resíduos da ilha de São Miguel, com o esconder a opção de incinerar os resíduos aos representantes aos ONGAS, o não disponibilizar os estudos à Quercus, leva-me a por em causa a futura gestão deste projecto. Se até aqui o processo não foi conduzido com transparência, que garantias teremos que o será no futuro?

Tão grave ou mais grave ainda é o facto, como denuncia o Greenpeace, da Directiva da União Europeia sobre incineração não nos servir de apoio já que não tem em conta o impacto na saúde humana. Com efeito, os limites de emissão permitidos baseiam-se nos valores mínimos que se considera que a tecnologia pode conseguir e não naqueles que são realmente seguros para a nossa saúde.

Por que razão os representantes das ONGAS deixaram de ser convocados para as reuniões de uma Comissão Criada pela AMISM? Por que razão nas reuniões nunca foi abordada a questão da incineração? Por que não foram as ONGAS convidadas a acompanhar o Estudo de Impacto Ambiental?


6- O NÃO MENOS IMPORTANTE CUSTO DA INCINERADORA


As incineradoras são de longe a abordagem mais dispendiosa para a gestão dos resíduos. A incineração é muito mais cara que a compostagem + reciclagem. Além disso, de acordo com a Quercus, a taxa de comparticipação dos fundos europeus no investimento em instalações de compostagem e reciclagem é de 75%, enquanto para as incineradoras pode quanto muito chegar aos 25%.

Assim sendo, que razões levam à escolha de uma opção que nem do ponto de vista dos euros é a mais vantajosa? Razões que a razão desconhece? Ou outros negócios de milhões?

7- INCINERAÇÃO, NÃO OBRIGADO!

1- Numa altura em que em alguns países, como o Canadá, a Nova Zelândia, a Dinamarca e os Estados Unidos da América, está-se a implementar a chamada política do Lixo Zero- uma nova abordagem do problemas dos resíduos, que pretende fazer com que a sua produção se aproxime do zero, tornando os aterros e as (cobiçadas?) incineradoras quase dispensáveis, implementando mudanças nos sistemas de produção e distribuição, evitando-se a criação de lixos na origem e mantendo os materiais em circulação permanente- a única solução que defendo é a criação de um sistema integrado de tratamento de resíduos que inclua a redução, a reutilização e a reciclagem.

2- Face ao exposto, e tendo em conta ainda o facto de todo o processo estar viciado já que não foram estudadas, à partida, outras alternativas mais favoráveis ao ambiente, à saúde das pessoas e à própria economia da ilha, acho que a única posição a tomar é a de me opor radicalmente à solução proposta pela AMISM.

3- Depois de mas de vinte anos a pugnar por uma sociedade mais justa, limpa e pacífica, não posso embarcar em falsos “realismos”, não posso ceder a chantagens do tipo “antes incineração do que a situação actual”. Seria renegar o meu passado e trair a minha consciência.

4- Não quero alinhar pelo rebanho, prefiro caminhar só. Não receio ser apodado de utópico ou mesmo de fundamentalista. Como dizia Manuel Gomes Guerreiro, referindo-se aos ecologistas: “a história lhes dará razão e lhes agradecerá”.

5- Estou convencido que a incineração será o amianto do século XXI


BIBLIOGRAFIA

GREENPEACE, (2003), Incineración de Residuos, Razones para un NO, www.greenpeace.org.

SILVA, M., (2002), “Falaremos de lixos numa área metropolitana”, Ar Livre, nº 12, pp:37-40

TANGRI, N., (2003), A Incineração de resíduos, uma tecnologia a desaparecer, www.no-burn.org

(texto de 2004)