segunda-feira, julho 09, 2007

Carta aberta ao Amigo da Terra Humberto Furtado Costa

Caro amigo,
Escrevo-te porque, apesar de «teres partido», sei que gostas de andar a par com o que se vai passando por cá.
A política agrícola regional não se alterou muito desde a altura em que escreveste no Açoreano Oriental (25/3/87) um artigo a propósito do Dia da Árvore. Continuamos a ter um Secretário da Pecuária e das Touradas e a agricultura não há maneira de deixar de ser apenas «vacas e erva». Continua-se a arrotear a torto e a direito, até parece que querem transformar estas ilhas em campos de futebol, em locais sem a mínima aptidão para a pastagem. O Pico da Água está, neste momento, a ser arredondado com uma «catarpiller», depois de terem cortado a mata e largado (?) fogo aos troncos e lenha que lá ficou. Coitados dos bombeiros que têm de acudir a tanto fogo posto! Será mais um arroteamento para daqui a alguns anos estar coberto de silvado, como muitos outros que bem conheces na zona do Monte Escuro e noutros locais.

Já andavas bastante doente quando surgiu mais um problema para os nossos agricultores. «Proíbe-se» o vinho de cheiro, fala-se em outras castas e em apoios à reconversão das vinhas, mas de concreto só palavras. Penso que estás de acordo comigo, o vinho de cheiro é mais prejudicial à saúde do que o outro, mas tenho as minhas dúvidas se relativamente ao vinho a martelo que por aí se vende. Como se diz na minha terra, Vila Franca do Campo, proíbe-se o nosso vinho mas continua-se a deixar entrar o que é feito com pós e água do Rio Tejo. Enfim, mais um problema a juntar a tantos outros…
Infelizmente para todos nós, o artigo que escreveste continua a ser actual no que diz respeito às Reservas Naturais. Estas continuam a ser apenas no papel. Na Reserva Natural da Lagoa do Fogo prosseguem os incêndios e a rapina de leivas, apesar deste ano já termos alertado a Secretaria Regional do Turismo e Ambiente por mais de uma vez. Está quase como a Serra Devassa que continua a ser devassada diariamente.

Sabias que já corre pelas cabeças de alguns iluminados cá da terra «recuperar» o que a PEPOM destruiu através da plantação de eucaliptos? Esta nem lembraria ao diabo! A propósito de eucaliptos, sabias que as empresas de celulose já cá estão prontas a tudo comprar, inclusive homens para procederem a plantações em locais menos próprios e que no Pico já compraram terrenos no valor de um milhão de contos? Não te cheguei a enviar a legislação que disciplina a plantação de espécies de crescimento rápido. Não me parece má, mas é como as outras: permite algumas fugas e tem de ser aplicada – não acredito que o seja enquanto não for criado um sistema de vigilância eficaz.
Por último, peço desculpa por discordar do que me disseste em Outubro passado, antes de partires para Lisboa, para te submeteres a uma intervenção cirúrgica. Na altura, dizias-me que nunca mais irias passear connosco, que nunca mais subirias o Pico da Vara. É verdade que a tua viagem não tem regresso, mas podes estar certo, estarás sempre connosco em todas as regiões, visitas de estudo e escaladas ao Pico da Vara.

Até breve,


Publicado no “Correio dos Açores”, 26 de Agosto de 1989

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