segunda-feira, outubro 22, 2007

Vila Franca: O Ambiente, suas Potencialidades e Problemas

VILA FRANCA:
O AMBIENTE, SUAS POTENCIALIDADES E PROBLEMAS

INTRODUÇÃO
São por demais conhecidos os problemas globais de ambiente, dos quais se destacam, a título de exemplo: as alterações climáticas, a destruição da camada de ozono, a degradação da qualidade do ar, da água e dos solos, a extinção de muitos milhares de espécies, etc.
Nos Açores, embora a situação não seja catastrófica, é contraproducente ignorar os crescentes problemas que afectam a qualidade do nosso ambiente. É a gestão eficaz dos resíduos que está por encontrar, é a qualidade da água de consumo público que deixa a desejar, é o estado em que se encontram as nossas lagoas, é a situação dramática da floresta autóctone, é o abandono das “áreas protegidas”, etc., etc.
O Concelho de Vila Franca possui um património natural e cultural bastante rico que faz com que sejam grandes as potencialidades para o desenvolvimento de um turismo alternativo que respeite e tenha por base a história, a arte, as tradições, a exploração das paisagens, a geologia, a fauna e a flora autóctones, etc.
Sendo tema que nos propusemos tratar tão vasto achei por bem, para não tornar maçador, uma breve referência a alguns componentes ambientais naturais, como o solo, a água, a flora e a fauna e ao instrumento da política de ambiente que é o ordenamento integrado do território, o qual inclui a criação de áreas protegidas.

ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO
Nos Açores é recente a preocupação com o ordenamento do território, o qual, de acordo com a Lei de Bases do Ambiente, tem por objectivo “o uso e a transformação do território, de acordo com as suas capacidades e vocações e a permanência de valores do equilíbrio biológico e de estabilidade geológica, numa perspectiva de aumento da sua capacidade de suporte de vida”.
O Plano Regional de ordenamento do Território dos Açores, em fase de elaboração, devido à falta de dados, sua não disponibilização por parte de quem os possui, marginalização a que é votado o ambiente e o património construído, em nada irá contribuir para a definição de uma eficaz política de ambiente, se não forem envidados esforços no sentido de colmatar as lacunas apontadas. Assim, se tudo continuar como até aqui, os problemas ambientais dos Açores tenderão a agravar-se.

SOLOS
A existência de pastagens em zonas de declive acentuado é uma das principais causas da erosão dos solos nos Açores. Segundo o DREPA, “a intensa apanha da Leiva, em são Miguel, o arroteamento generalizado de zonas de matos para a ampliação das pastagens e a movimentação mecânica de grandes volumes de terra, são outras das razões da degradação dos solos no arquipélago”. Sinais do que atrás referimos podem ser vistos no nosso concelho nos locais mais altos, nomeadamente na zona do Monte Escuro. No que diz respeito à exploração de inertes, não há qualquer cuidado na escolha dos locais, como é o caso da extracção feita no cone do Monte Escuro, bem como na sua recuperação após o fim da mesma. Um plano preestabelecido de exploração de inertes que tenha em conta não só a vertente económica, deverá ser implementado quanto antes.
“A defesa e valorização do solo como recurso natural determina a adopção de medidas conducentes à sua racional utilização, a evitar a sua degradação e a promover a melhoria da sua fertilidade e regeneração, incluindo o estabelecimento de uma política de gestão de recursos naturais que salvaguarde a estabilidade ecológica e os ecossistemas de produção, protecção ou uso múltiplo e regule o ciclo da água” (Lei de Bases do Ambiente, Artº13, ponto 1).
Subscrevemos o atrás transcrito e concluímos adaptando uma frase do Arq. Reis Gomes. “As monoculturas que são sempre empobrecedoras na perspectiva ecológica, são nas nossa ilhas contra-natura”.

ÁREAS PROTEGIDAS
As áreas protegidas nos Açores são essencialmente constituídas por Reservas Naturais, Paisagens protegidas, Reservas Florestais Naturais e de Recreio e Biótopos do Programa Corine.
No nosso concelho ficam situadas as reservas Naturais da Lagoa do Fogo e do Ilhéu da Vila Franca, a Reserva Florestal de Recreio do Cerrado dos Bezerros e o Biótopo Costa de Vila Franca do Campo. Outros locais mereciam estar classificados, entre eles destaco a zona das Lagoas do Congro e Nenúfares e o Pico da Dona Guiomar com a sua magnífica Lagoinha do Areeiro.

O Biótopo Costa de Vila Franca do Campo abrange uma faixa costeira de 110 hectares, desde a Praia da Vinha da Areia até à Praia da Ribeira Quente. A sua inclusão entre os locais de maior importância para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais da Comunidade Económica Europeia é devida ao seu interesse botânico, a ser sítio de passagem de aves migratórias e local de nidificação do Cagarro e do Milhafre e à presença de considerável número de invertebrados endémicos do nosso arquipélago.
O Projecto Biótopos do Programa Corine que tem por finalidade a conservação dos habitats não tem qualquer suporte legislativo que os proteja na prática.
A urgência de uma intervenção tendente a disciplinar as actividades humanas no complexo formado pela Lagoa do Fogo e terrenos que a marginam levou a que por decreto nº 152/74, de 15 de Abril, fosse criada a reserva natural da Lagoa do Fogo.
A notável beleza paisagística aliada ao interesse geológico, a presença de cerca de 20 espécies da nossa flora endémica, a sua riqueza em invertebrados e a presença de 8 subespécies endémicas da avifauna açoriana fizeram com que esta reserva e alguns terrenos adjacentes, perfazendo um total de 2920 hectares fossem integrados no projecto Biótopos já referido.
O Decreto Regional nº 10/82/A previa a criação de uma comissão administrativa e estabelecia um prazo de 12 meses para ser apresentado o Plano Director da Reserva e aprovado o Regulamento que definiria os órgãos e modo de funcionamento daquela, até hoje nada feito. A extracção diária de leivas, o aumento de infestantes, como o Gigante e a Cletra, a florestação à base de exóticas, os trabalhos de prospecção geotérmica, o aumento da área de pastagens, etc. têm vindo a descaracterizar aquele paradisíaco local.
O Ilhéu de Vila Franca foi considerado por Decreto Legislativo Regional nº 3/83/A, de 3 de Março, Reserva Natural e é um dos 55 sítios, da Região Autónoma dos Açores, considerados de interesse comunitária por ser importante área de passagem e nidificação de aves migratórias, devido à presença de vegetação endémica e possuir uma área marítima de interesse para a conservação da fauna aquática. A elevada pressão humana e a existência de plantas infestantes, entre elas a lantana, são as principais causas da sua degradação.
Nestas áreas de grande interesse científico e de elevadas potencialidades económicas é imperioso:
-- Proceder, quanto antes aos estudos de ordenamento e aprovar os seus regulamentos;
-- Criar redes de vigilância de modo a tornar possível uma fiscalização eficaz:
-- Por em funcionamento os seus órgãos de gestão e implementar uma gestão rigorosa, tendo em vista, entre outros, a protecção e estudo dos ecossistemas naturais.

FLORA
A flora vascular dos Açores é constituída por 1011 espécies, destas 2/3 foram introduzidas e apenas cerca de 60 são endémicas.
A vegetação autóctone dos Açores tem vindo a regredir desde a chegada dos portugueses a estas ilhas, devido ao impacto da actividade humana, ocupando hoje áreas diminutas e em constante regressão.
A situação em que se encontra a flora dos Açores é deveras crítica: 73% das espécies endémicas estão incluídas na lista de plantas raras e ameaçadas da flora vascular europeia publicada, em 1983, pelo Conselho da Europa: algumas delas, dezanove, encontram-se, segundo o botânico sueco Erick Sjogren, em perigo de se extinguirem.
Dada a importância das comunidades vegetais dos Açores, o mais valioso património terrestre, subscrevemos uma proposta apresentada por um conjunto de oito associações ambientalistas, entre as quais a QUERCUS/AÇORES e os AMIGOS DOS AÇORES, de criação de um plano de emergência que contemple, entre outros, os seguintes princípios básicos:
-- Privilegiar a classificação de áreas de protecção relativamente vastas e com elevado número de espécies ameaçadas, em que estejam representadas o máximo de comunidades vegetais, em lugar da classificação de numerosas áreas homogéneas, pequenas e isoladas, mas altamente vulneráveis;
-- Condicionar rigorosamente a introdução de espécies animais e vegetais exóticas no arquipélago, devido à fragilidade e vulnerabilidade dos ecossistemas insulares, e iniciar programas de controlo das plantas exóticas invasoras existentes.

FAUNA
A fauna dos Açores é bastante pobre. A única espécie de vertebrado considerada endémica é o Morcego (Nyctalus azorium).
No que diz respeito à avifauna, cerca de duzentas espécies migratórias passam pelo arquipélago, 36 espécies nidificam cá, sendo 12 delas subespécies endémicas.
O não respeito pela lei da caça, a própria pressão exercida por esta, a ignorância das Directivas Comunitárias por parte dos caçadores e das autoridades locais, poderá levar a que aves, como a Galinhola (Scolopax rusticola), a Narceja (Gallinago gallinago), a Garça-real (Ardea cinerea) e o Pato-real (Anas platyrhynchos), que se tornaram residentes, deixem de cá nidificar.
Por último, salientamos o caso do Cagarro (Calonectris diomedea ssp. borealis), tem uma distribuição mundial bastante restrita e que tem sido alvo de vandalismo, nos locais onde nidifica, o que tem acontecido no Ilhéu da Vila Franca, e o do Garajau-rosado (Sterna dougallii), espécie inserida na lista mundial das aves ameaçadas do Conselho Internacional Para a Conservação das Aves e no anexo II (espécies de fauna estritamente protegidas) da Convenção Relativa à Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa e que, nos locais de nidificação, são perturbados pela presença do Homem e de animais, quando não são alvo de selvajaria.
Não queríamos terminar sem antes referir o caso das lapas, dos golfinhos, do mero, das tartarugas, etc., que são bons exemplos do não cumprimento da legislação que os protege.
Nesta área, é urgente:
-- Adaptar a legislação regional (Lei da caça, etc.) às Directivas Comunitárias e criar mecanismos para fazer cumprir a lei;
-- Recuperar e preservar os habitats mais alterados e degradados;
-- Sensibilizar e educar as populações (e os responsáveis políticos);

ÁGUAS
Neste ponto, apenas uma referência à água de consumo público e às águas balneares.
Nos Açores, nos últimos anos, o aumento do consumo de água acompanha uma degradação da qualidade dos recursos hídricos, resultante, sobretudo, do aumento da área do solo ocupada pela pastagem. Com efeito, a intensificação da bovinicultura é a principal responsável pela degradação microbiológica e química das águas de abastecimento público.
As captações não estão protegidas, a água não é tratada e os laboratórios existentes não têm a capacidade para efectuar uma correcta vigilância sanitária.
Neste domínio o que deverá ser feito?
-- Proceder ao levantamento dos recursos hídricos, com vista ao seu coerente e responsável aproveitamento:
-- Proteger as bacias hidrográficas, nomeadamente pela aquisição de terreno a circundantes e sua florestação com espécies adequadas para o efeito;
-- Implementar a realização de análises periódicas, quer químicas, quer bacteriológicas;
-- Renovar e remodelar toda a rede;
-- Acabar com a diluição de competências relativas à gestão dos recursos hídricos;
O litoral da Vila Franca, sobretudo o do centro da Vila, tem sido local de descarga de águas residuais domésticas, não tratadas, o que afecta a qualidade da água do mar e poderá ter consequências negativas para a saúde humana. A título de exemplo, refira-se que a água da Praia do Corpo Santo foi considerada de má qualidade (excedia o VMA-10000 coliformes totais/100m, 2000 coliformes fecais/100m, VMR-500 coliformes totais/100m, 100 coliformes fecais /100m) este ano pela Direcção-Geral da Qualidade do Ambiente e pela Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários. Nesta área é urgente o tratamento das águas antes de serem lançadas para o mar.
Perante os problemas que afectam, quer globalmente o planeta, quer a nossa região, não podemos ficar de braços cruzados à espera que as entidades oficiais façam algo. Já no séc. XVIII, Edmund Burke dizia: “ninguém cometeu um erro maior do que aquele que nada fez, porque era muito pouco aquilo que podia fazer”.
Estou convencido que só com um desenvolvimento equilibrado, onde não haja “interesses particulares – nem direitos de propriedades, nem lucros – que se sobreponham aos direitos humanos a um ar limpo, a uma água limpa e a uma atmosfera que permita a continuação da vida na terra” (Walter Cronkite) será possível usufruirmos das riquezas do mundo sem comprometermos os direitos das gerações futuras.

(Texto da Comunicação apresentada num Jantar dos Lyons de Vila Franca do Campo, 31 de Outubro de 1992)

quinta-feira, outubro 18, 2007



PROTESTO CONTRA O ENCERRAMENTO DAS FURNAS DO CABRITO E DA ÁGUA

1 – CRONOLOGIA DOS ACONTECIMENTOS

Nos últimos dias de Janeiro de 1983 fomos alertados por elementos da Associação Espeleológica “Os Montanheiros” para o facto de a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo pretender encerrar ao público as Furnas do Cabrito e da Água. Imediatamente começamos a movimentar-nos no sentido de procurar e propor uma alternativa que permitisse fazer a captação de águas nas condições de higiene exigidas, de modo a que as referidas Furnas continuassem abertas ao público.

Apresentamos, em seguida, a cronologia dos principais acontecimentos:

01/02/1983 – Alertados por um comunicado do “Luta Ecológica” e por declarações de elementos de “Os Montanheiros”, o jornal “Diário Insular” insere na sua primeira página um artigo intitulado: “Furna do Cabrito: encerrar, porquê?”.
03/02/1983 – O jornal “A União” traz a posição da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo.
04/02/1983 – Entrevista dada ao Rádio Clube de Angra por José Alberto Lopes e Teófilo Braga, do “Luta Ecológica” e Manuel Aguiar, presidente de “Os Montanheiros”.
05/02/1983 – Realiza-se uma visita de estudo às grutas, a última, convocada através da imprensa pelo “Luta Ecológica” e pelos “Montanheiros”. Participam cerca de oitenta pessoas.
07/02/1983 – O deputado municipal do P.S., Dionísio de Sousa, faz uma intervenção na Assembleia Municipal de Angra, cujo texto integral foi publicado no jornal “A União” em 18/Fev/83. O P.S.D. recusa as propostas apresentadas pelo referido deputado.
08/02/1983 – Sai no jornal “Diário Insular” um artigo de José Alberto Lopes em que o autor apresenta alternativas para a resolução do problema da captação da água.
11/02/1983 – O quinzenário “Directo” solidariza-se com as nossas posições. Na sua última página apresenta o artigo “Cabrito – A Muralha da Vergonha”.
12/02/1983 – Por iniciativa do “Luta Ecológica” foi entregue ao Presidente da Câmara um abaixo-assinado, condenando as posições da Câmara e sugerindo alternativas. Em poucos dias foram recolhidas 500 assinaturas.
21/02/1983 – O quinzenário praiense, “Jornal da Praia”, manifesta-se contrário ao encerramento das referidas grutas, através de um artigo intitulado “Valores e Património”.
03/03/1983 – O quinzenário “Directo” apresenta como tema principal, da sua edificação, o caso do encerramento das grutas. No seu interior, em duas páginas, podemos ler um resumo da intervenção de Dionísio de Sousa na Assembleia Municipal, um artigo de José Alberto Lopes, a posição dos “Montanheiros e do “Luta Ecológica” e um artigo intitulado “Ainda mais terramotos?!” da autoria de um dos visitantes que participou no passeio já referido.
05/03/1983 – A Câmara de Angra, segundo o “Diário Insular”, decide reestudar o caso da Furna do Cabrito.
06/03/1983 – Sai um comunicado do “Luta Ecológica” congratulando-se com a decisão da Câmara, mas discordando com algumas propostas.
18/03/1983 – O “Diário Insular” anuncia que os deputados do P.S.D. pela ilha Terceira irão apresentar uma proposta de Decreto Regional com vista a proteger as grutas e zonas de interesse vulcânico e vegetal da ilha.
29/03/1983 – A Assembleia Municipal de Angra do Heroísmo aprova, apenas com uma abstenção do P.S.D., um voto de louvor aos “Montanheiros” e à “Luta Ecológica” e recomendação à Câmara Municipal de Angra para que tenha em especial conta e atenção os pareceres e posições das duas associações no que respeita ao património natural do concelho.
Em data que não posso precisar, mas nos primeiros dias de Fevereiro uma delegação do “Luta Ecológica” e dos “Montanheiros” entrevistou-se com o Presidente da Câmara Municipal de Angra e com o engenheiro responsável pelos Serviços Municipalizados.

Teófilo Braga, Terceira, Ano de 1983

Educação, Tarefa Prioritária

“Na minha opinião, seria preciso mostrar-se e demonstrar-se ao açorianos que os Açores são uma região, (e não nove ilhas isoladas), com uma cultura, uma geografia, uma história, uma ecologia próprias e que cada habitante é responsável e não apenas as autoridades eleitas. Duma forma mais concreta, os principais problemas ambientais da região são a higiene, a exploração do mar, a procura de um turismo adequado à região, o inculcar respeito pela sua terra (e pelos seus habitantes, flora e fauna), a procura de um modelo insular específico e uma verdadeira política de qualidade de vida em vez da busca da rentabilidade a curto prazo, baseada num desequilíbrio ecológico da região que só terminará em crise”.

Como se poderá deduzir da leitura do excerto que fizemos de um texto do Dr. Gerard Le Grand a acção mais urgente a levar a cabo, entre nós, é a educação ambiental que deverá ter como principal objectivo o de formar uma população consciente e preocupada com o ambiente, capaz de trabalhar individual e colectivamente na resolução dos problemas actuais.

Somos de opinião que não é com comemorações do Dia da Árvore ou do Dia do Ambiente que se conseguirá “criar as bases que permitam esclarecer a opinião pública e dar às pessoas, às empresas e às colectividades, o sentido de responsabilidade no que respeita à melhoria do ambiente, em toda a dimensão humana” (Dec. Do Ambiente).

Torna-se cada vez mais urgente, se não se quiser ficar pela demagogia, implementar nos programas escolares, a começar pelos jardins de infância, a educação para e pelo ambiente, a prossegui-la fora da escola e a estendê-la a todos, sem excepção.

Publicado em “Zimbro”, nº16, Agosto-Outubro de 1987

Impactos da Eucaliptização

Impactos da Eucaliptização

A monocultura do Eucalipto, ao contrário, do que pretendem fazer crer as indústrias de celulose, poderá trazer consequências dramáticas para a água, o solo, a flora e fauna, a economia e a cultura de uma determinada região.

1 - Para a Água
É sobretudo em áreas de baixa precipitação que o efeito dos eucaliptais poderá ter efeitos perniciosos sobre os recursos hídricos. Nas regiões mais secas “a armação do solo em terraços, aumentando as disponibilidades de água para as plantas devido à maior infiltração, aumenta a evapotranspiração e reduz ainda mais a saída de água das bacias”. Nos Açores, apesar da grande pluviosidade, por falta de estudos prévios as consequências são ainda imprevisíveis.

2 - Para o Solo
São sobretudo, as técnicas de instalação e a desprotecção causada pelos cortes rasos, as principais causas dos impactos negativos sobre os solos.
A ripagem, gradagem e terraceamento integral do terreno decapa o solo, expondo-o aos agentes atmosféricos e “a desprotecção provocada pelos cortes a intervalos muito curtos contribuem para a erosão laminar e ravinar, particularmente em solos declivosos”.
Depois de terminado o ciclo de produção ficará o terreno coberto de cepos. Estes se não forem removidos deixam o terreno improdutivo e inutilizável para a reconversão. “Por outro lado, a remoção dos cepos em solos compactos será particularmente difícil e onerosa, senão impossível, contribuindo para a forte erosão em declives acentuados.”

3 – Para a Flora e Fauna
A instalação de extensos povoamentos florestais e cortes, em períodos relativamente curtos pressupõe “a destruição das comunidades pré-existentes ou entretanto desenvolvidas durante o crescimento do povoamento”. Com a plantação indiscriminada, correrão perigo de extinção diversas espécies da nossa flora primitiva, já bastante ameaçada.
“A substituição sistemática das fitocenoses naturais que constituem valiosos habitats para a fauna, por eucaliptais exóticos extremamente pobres, em nichos ecológicos e de escassos recursos alimentares, constitui uma das mais importantes causas de abundância e diversidade faunística”.

4 – Para a Economia
Uma forte componente de capital estrangeiro da maior parte das empresas, faz com que grande parte dos lucros sejam «desviados» para países estrangeiros, os quais ficam livres de impactos negativos da eucaliptização.
É falso afirmar que o eucalipto é a espécie que mais rendimento proporciona. “Por exemplo, está calculado em cerca de 90 contos ha/ano o rendimento potencial gerado por um sobreiral na região do Ribatejo, enquanto que para a mesma área o eucaliptal não permitirá um rendimento superior a 55 contos ha/ano”.
“A opção económica pela monocultura intensiva do Eucalipto é altamente dependente das flutuações de preços a nível do mercado mundial”, o que não se verifica se a opção for pela floresta de uso múltiplo.

5 – Para a Cultura
A substituição de uma paisagem, parte integrante da identidade de uma região e de um povo, por outra, para além de ser um verdadeiro atentado à nossa identidade cultural, poderá trazer consequências graves para a actividade turística que se pretende para os Açores.

(Texto da responsabilidade dos Amigos dos Açores, escrito com base no documento “A Eucaliptização de Portugal”, subscrito pelas seguintes organizações: Quercus – Associação Nacional para a Conservação da Natureza, Liga para a Protecção da Natureza, Grupo de Estudos do Ordenamento do Território e Ambiente, Associação Portuguesa de Biólogos, Grupo Universitário de Évora de Estudos do Ambiente e Associação de Agricultura Biológica.)

(Publicado no “ Correio dos Açores”, 1 de Fevereiro de 1990)

sábado, outubro 13, 2007

PROBLEMAS AMBIENTAIS DOS AÇORES

Introdução

O que entendemos por Ecologia?

“ A ecologia é ter o canto de uma ave na cabeça e os pés na terra”
(Jean-Paul Ribes, “La Baleine”)


O termo ecologia foi usado pela primeira vez, em 1866, pelo biólogo alemão, Ernst Haeckel, na sua obra Generelle Morphologie der Organismen. Segundo ele, a ecologia é a “investigação das relações totais do animal tanto com o seu ambiente orgânico como inorgânico.” (1)
A ecologia, que só a partir de 1919 deixou de ser um ramo da Biologia, pode ser definida como “a ciência que estuda as relações do Homem com o ambiente vivo e a natureza que o envolve, a comunicação que se estabelece entre os organismos vivos, desde a mais pequena célula ao mais complexo sistema vivo.” (2)
Ao considerar que o Homem vive, simultaneamente, num ambiente natural, social e psicológico Julian Huxley advoga a necessidade de se ampliar o conceito de ecologia. Assim, segundo ele, a Ecologia Social “lida com as relações sociais do Homem, tanto dentro como entre as sociedades humanas” e a Ecologia Psicológica “preocupa-se com as relações individuais e colectivas do Homem, com as forças e recursos da sua natureza íntima e o mundo das ideias, crenças e valores que ele criou e com os quais se cercou”.
A interacção existente entre sociedade e natureza fez com que, a partir de certo momento, a ecologia se tornasse, pouco a pouco, em actividade de intervenção política e social, em ecologismo – termo usado por Dominique Simonnet, em 1979, para distinguir ciência de actividade político-social (3).
Em suma, podemos distinguir duas vertentes no conceito de ecologia: a científica e a social. Estas “não podem ser entendidas numa antítese, mas sim como dois aspectos da mesma realidade global. A previsão científica permite orientar a intervenção social, e esta corrigir a primeira” (4).

Ao lutarem pela preservação do meio, das reservas naturais, e de todas as riquezas do património mundial, os ecologistas apontam não só para o fim da delapidação desenfreada dos recursos, como também para uma via socialmente libertadora, capaz de transformar as comunidades e os indivíduos em elementos activos na construção de uma relação harmoniosa da sociedade consigo própria e desta com o mundo envolvente. (Princípios Mínimos para o Máximo Entendimento)

Os Açores embora possa ser considerado um paraíso ecológico possui já os seus problemas de desequilíbrio natural, alguns deles de difícil solução e que se têm agravado nos últimos anos.
As “denúncias” que a seguir se apresentam, servem como exemplo do que atrás afirmei:
- “Falar de Ambiente nos Açores em 5 de Junho de 1985, deveria ser transmitir uma mensagem de confiança no que já foi feito e de esperança no que se poderá ainda fazer. Mas quando se vai às nossas praias e nos sentamos no meio de detritos, nos sujamos de alcatrão, ou afastamos com despreocupação garrafas de plástico, é tempo de se reflectir.
Serenamente, inconscientemente (será por inconsciência?) deixa-se que se façam afirmações de que o cemitério atómico do Atlântico não tem perigo, porque não apresenta sinais de radioactividade. Como poderia tê-los, se só dentro 20 ou 30 anos – pelo menos – poderemos ter condições mínimas para o verificar? Mas ninguém, ou quase ninguém protesta.” (Dr. Vasco Garcia, Correio dos Açores, 05/06/1985)

- “É muito confrangedor ver ano após ano, uma região a devastar-se a si própria, por falta de conhecimentos específicos, baseando-se em critérios económicos ou políticos, ou em conceitos de “bem-estar” que não lhe são próprios” (Dr. Gerard Le Grand, Directo)

- “…existe uma grande preocupação em que a praga (do escaravelho japonês, existente na Terceira) se estenda para as outras ilhas da Região, o que poderá impedir no futuro a exportação de vegetais do arquipélago, nomeadamente para o continente.” (Açoriano Oriental, 07/01/1984)

- “Embora mais numas ilhas do que outras, é certo que o património natural marinho dos Açores começa a ser deveras ameaçado pela prática, quantas vezes incontrolada, da caça submarina…” (Correio da Horta, 26/06/1984)

- “A Localização da moagem de clínquer, uma indústria geradora de ruídos e poluidora do ambiente devido, essencialmente a poeiras que se infiltram por todo o lado, inutilizando culturas e conspurcando tudo numa vasta área, tem levantado protestos da população, encontrando nas autarquias e outras entidades locais todo o apoio.” (Açoriano Oriental, 28/11/1984)

- “Furnas – um paraíso de águas inquinadas e esgotos a transbordar.” (Açores, 11/01/1985)

- “Segundo dados existentes no Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores, a composição da água de consumo público nos Açores apresenta elevados níveis de contaminação bacteriológica, estando assim perigosamente inquinada, e sendo imprópria para consumo.” (Jornal da Praia, 15/03/1983)

- “A fábrica de Agar da Terceira lança ao esgoto uma solução de água com ácido sulfúrico e soda cáustica… A poluição da orla marítima da Terceira está a provocar o desaparecimento de várias espécies piscícolas como a Sardinha e a Salema.” (Correio dos Açores, 04/05/1985)

- “A proliferação do pardal está a por em perigo a agricultura micaelense.” (Correio dos Açores, 03/05/1984)

- “Os dados expressos (…) dão bem uma visão do estado crítico em que se encontra a flora endémica dos Açores. Vinte e seis (50%) espécies encontram-se ameaçadas em ilhas diferentes.” (Duarte Furtado, Revista “Arquipélago”, Julho de 1984)

E como a lista vai tornando-se longa, fiquemos por aqui. Em seguida iremos focar, com algum pormenor, mas necessariamente em poucas palavras, alguns problemas ecológicos com que se debate a Região. Como era impossível tocar em todos, escolhemos aqueles que ou dizem respeito a todas as ilhas do arquipélago (ou à maior parte dela) ou que pela sua gravidade poderão, num futuro mais próximo, afectar o todo que é a região Açores.

1- O Escaravelho Japonês (Popillia japonica Newman)
Originário do Japão, o escaravelho japonês expandiu-se para outros países, entre os quais os estados Unidos onde em algumas regiões é uma autêntica praga.
“Data de 1970 o ano em que pela primeira vez foram encontrados adultos de E. Japonês na Ilha Terceira, ou, mais precisamente, numa sebe que resguardava a piscina junto ao Clube de Oficiais da Base Aérea das Lajes.” (5)
Não possuindo predadores naturais, a praga tem avançado para o interior da ilha Terceira a partir do Aeroporto das Lajes.
O período de maior actividade dos insectos adultos é nos meses de Julho-Agosto, causando prejuízos nas silvas que constituem sebes vivas, nas vinhas (a videira é a planta mais afectada) e nas pastagens, onde preferem as folhas de trevo.
O combate à praga através da utilização de pesticidas torna-se problemático se se tiver em consideração a defesa das culturas, a protecção das pessoas, gado, enxames e da vida selvagem, em geral.
Um decreto legislativo regional proíbe a importação de vegetais, terra ou outros produtos que possam veicular formas de vivas do escaravelho, dos Estados Unidos e impede a saída da terceira de todos os produtos que poderão fazer com que a praga se alastre para as restantes ilhas dos Açores.
Mas a legislação nunca é suficiente. A tomada de consciência por parte de todos os Açorianos, e dos nossos emigrantes, é fundamental já que, se a praga se alastra a todo o arquipélago toda a economia regional será gravemente atingida.

2- O Pardal (Passer domesticus)
O pardal, vindo do continente português, trazido por militar da Base das Lajes, surgiu nos Açores por volta de 1960, onde encontrou excelentes condições de reprodução, de alimentação e de nidificação.
Embora nos Açores existam cerca de 30 espécies de aves, só o Pardal se tornou numa praga. Todas as outras espécies estão adaptadas ao meio açoriano, mantendo a sua população a um nível próximo de equilíbrio, o que faz com que não levantem problemas de maior à agricultura. Com o Pardal não se passa o mesmo. Em virtude de não ter nenhum competidor e nenhum predador, verificou-se uma explosão demográfica considerável, e facilmente se expandiu para outras ilhas, e em 1984 (Dr. Gerard Le Grand), apenas o Corvo e santa Maria não se encontravam colonizadas. Mas será questão de tempo… Por outro lado a sua alimentação é bastante variável. Come praticamente de tudo: as culturas de cereais são as mais atacadas, a vinha, as abelhas, etc., o que constitui um grande problema para os camponeses.
Que medidas devem ser tomadas para solucionar o problema?
A sua destruição não trará nenhum problema visto não possuir nenhuma importância do ponto de vista da economia das ilhas, nem mesmo do ecossistema açoriano.
Uma campanha à base de químicos não é aconselhável em virtude da sua localização ser sobretudo em centros urbanos e arredores e por ser um vertebrado superior, o que implicaria o uso de pesticidas bastante tóxicos.
Sem causar outros danos, poderia optar-se pela destruição de todos os locais de nidificação, pela captura com armadilhas ou com redes. O Dr. Gerard Le Grand, da Universidade dos Açores, defende, entre outros métodos, o controlo da população de pardais com ajuda de ninhos artificiais em que brigadas especiais ficariam responsáveis pela visita regular, ao longo do ano, de noite para evitar a habituação. O objectivo seria eliminar os ovos, os jovens e as fêmeas poupando os machos, afim de aumentar a sua pressão social no seio da população. Estes machos, em excesso, aumentariam as tensões territoriais o que teria como consequência diminuir o êxito das ninhadas. (6)

Irei, em seguida, referir espécies em perigo de extinção. Começarei pelas aves.
É, sem dúvida, o Priôlo (Pyrrhula murina), a ave mais interessante dos Açores, no dizer do Tem. Coronel José Agostinho, a espécie que se encontra em pior situação. O seu efectivo é muito fraco e vive apenas nas últimas zonas de floresta indígena de Louro, Cedro-do-mato e Urze e nos lugares onde a vegetação é mais densa, no Pico da Vara, em São Miguel. Se medidas de conservação não forem tomadas, corre o risco de desaparecer, em breve.

Com um pouco mais de pormenor falarei das rapinas.
3 – Rapinas (Milhafre e Mocho)
As aves de rapina estão ameaçadas de extermínio em todo o mundo. É o que poderá acontecer com o Milhafre e o Mocho aqui na região.
O Milhafre (Buteo buteo) não existe nas Flores e Corvo, sendo pouco abundante na Terceira e o seu “status” vulnerável, isto é, não em perigo, mas sensíveis à deterioração do seu habitat ou à pressão da caça, na Graciosa o seu efectivo é fraco, estando ameaçado de extinção.
O Mocho (Asio otus) não existe no Corvo, a sua presença é considerada como provável e é comum nas restantes ilhas. (7)
“Diz-se que as aves de rapina são nocivas não se sabendo, no entanto, prová-lo. De facto, uma simples análise da alimentação das rapinas é suficiente para provar o interesse que elas têm para a agricultura e mostrar como a caça é pouco afectada por elas, em virtude de não ser parte importante da sua alimentação. Por exemplo o Milhafre alimenta-se preferencialmente de pequenos roedores (cerca de 57%), insectos (cerca de 27%), pequenas aves (cerca de 6%), repteis (cerca de 8 %) e criações e caça (cerca de 2%). (8)
Nos Açores não é raro alguns caçadores abaterem algumas espécies, por puro vandalismo ou por pedido de alguns agricultores que alegam para tal o facto de aquelas andarem a comer a sua criação; outros abatem-nas pretextando que elas (dão cabo) da caça, o que é falso, como viram. Podemos apontar, ainda, como causas de extermínio das aves de rapina a captura para fins pseudo-científicos, para colecções e ainda a morte motivada por acção de pesticidas e de outros produtos tóxicos, mudanças de habitat, como alterações do coberto vegetal, em grandes áreas, etc.
A verdade é que as aves de rapina, para além de embelezarem as nossas paisagens e enriquecerem o património cultural dos nossos filhos, desempenham um papel essencial no equilíbrio da natureza, limitando o crescimento das espécies prejudiciais à agricultura, desembaraçando o Homem de animais doentes e cadáveres, impedindo assim epidemias. Lanço um apelo para que haja da parte de todos e no interesse comum, a melhor compreensão para com essas aves, protegendo-as devidamente, impedindo-se que com ratoeiras ou pelo abate, se reduza ainda mais o número das que ainda existem.

4 - Flora Endémica
Não tendo em conta líquenes e musgos, existem nos Açores cerca de 960 plantas naturalizadas (Gerard Le Grand, Maio de 1985). Este número inclui as espécies introduzidas e as pertencentes à vegetação primitiva. 62 espécies são endémicas, isto é, não se encontram no seu estado natural noutra parte do globo. (ver quadro abaixo) (9)
S M T G J P F L C Aç.
Flora Total 417 694 607 281 424 512 587 393 297 958
Flora da Macaronésia
Açores 24 48 49 14 48 48 46 41 35 62
Aç/Md 5 10 7 1 7 7 7 8 6 11
Aç/Md/Can 2 3 3 0 2 3 2 2 2 5
Aç/Md/Can/Cab 1 1 1 0 0 0 0 0 1 1
Nº Total de espécies 32 62 60 15 57 59 56 51 44 79
Quadro 1 – Aspectos quantitativos da flora dos Açores (sp. Ssp. variedades); extraído de HANSEN & SUNDING 1985 e observações pessoais

Muitas destas plantas endémicas são raras ou encontram-se, de algum modo, ameaçadas de extinção: 26 das 55 vasculares endémicas existentes. (10)
A vegetação costeira é dominada por ervas, entre elas, predomina e espécie endémica, Bracel-da-rocha ou Bracéu (Festuca petraea). As espécies introduzidas encontram-se localizadas, na maior parte, nas zonas costeiras e habitam até os 300 metros de altitude. Acima dos 500 metros é a zona da Laurissilva, floresta arbustiva e densa de Louro-da-terra e Cedro-do-mato. As espécies dominantes são o Louro-da-terra, o Cedro-do-mato e a Urze.
Desde o início do povoamento dos Açores as espécies vegetais tiveram grande importância para o Homem que aqui passou a residir. De facto, o primeiro combústivel a ser utilizado nos Açores foi, sem dúvida, a madeira. “Assim foram os ramos de Cedros, Vinháticos, de Azevinhos e Zimbreiros, de Teixos e Paus-brancos que iluminaram as primeiras noites dos Homens aqui estabelecidos”. (F.Carreiro da Costa, 1959). Foi a partir da baga do Louro-da-terra que foi extraído o primeiro óleo de origem vegetal utilizado nos Açores. O Dr. Carreiro da Costa diz-nos que “este era muito apreciado e por isso resultaram grandes danos nas matas particulares e matos dos concelhos”. (11)
Se até 1800/50 uma parte significativa das zonas de altitude permanecia selvagem, mas utilizada de maneira intensiva para o fornecimento de madeira para construção e combustível, por volta de 1900 começa a grande procura de madeira para fabrico de embalagens para os frutos exportados. Por esta altura a desflorestação ronda os 250 ha/ano e assiste-se à introdução de plantas exóticas como o Pinheiro, a Criptoméria e a Acácia.
De notar que as espécies indígenas de madeira nobre foram sempre muito procuradas e continuam a sê-lo: o Pau-branco (Picconia azorica), o Cedro-do-mato (Juniperus brevifolia) e a Ginga (Prunus lusitanica ssp. azorica), esta existe apenas em São Miguel, Terceira, São Jorge, e Pico e pode ser considerada uma das dez mais raras dos Açores.
O impacto da actividade humana, sobretudo a procura de madeira para combústivel, a construção, a constituição de pastagens, a construção de estradas e a plantação de espécies exóticas, fez diminuir consideravelmente a vegetação indígena e por e, risco de extinção algumas espécies, o que poderá trazer consequências bastante desagradáveis para nós.
Porém, antes de falarmos na importância da vegetação primitiva, vamos referiri as quatro espécies introduzidas e que, hoje, constituem autenticas infestantes:
- Gigante (Gunnera tinctoria) – Originária do Brasil, existe apenas em São Miguel. Escapou-se dos jardins das Furnas e hoje no Salto do Cavalo alguns alqueires de terra estão já, revestidos daquela infestante. É uma grande ameaça para a floresta indígena e mesmos para os prados.
- Conteira ou Roca-da-velha (Hedychium gardnerarum) – Originária dos Himalaias só não existe no Corvo. Introduzida no século passado como planta ornamental é uma grande ameaça para a vegetação indígena sobretudo Laurissilva.
- Incenso (Pittosporum undulatum) – Originária da Austrália, foi introduzida para abrigo das Laranjeiras, encontra-se naturalizada cobrindo enormes superfícies em toda as ilhas. É uma ameaça para a vegetação indígena costeira, nomeadamente para a Faia-da-terra.
- Clethra arborea – Planta endémica da Madeira, foi introduzida para fins ornamentais em São Miguel. À cerca de 20 a 25 anos, vem-se propagando muito rapidamente na zona Pico da Vara, comprometendo a subsitência da vegetação natural.

A defesa da Laurissilva é fundamental para a população açoriana pois, para além do que já vimos, a sua destruição “altera o meio criando um tipo de vegetação mais exigente à água à base de musgão (Sphagnum sp.) que dá um fluxo hídrico mais irregular e por vezes insuficiente” (12). Em suma, esta floresta por ser menos exigentes em água e por ser responsável pelo abastecimento dos reservatórios de água subterrâneos, devido à ‘precipitação de contacto’ garante a disponibilidade de água para consumo doméstico e industrial e para a irrigação de terras de cultivo.
A utilização de plantas nativas é cada vez mais frequente no combate às doenças e má nutrição a fim de encontrar novos medicamentos e plantas a cultivar”. (13)
Convém recordar que algumas das plantas indígenas dos Açores são já, ou já foram, utilizadas medicinalmente. Da Faia-da-terra pode-se extrair um carvão medicinal utilizado como “absorvente de gases do estômago e intestinos, adstringente intestinal, como antitóxico e fixador de toxinas microbianas intestinais, como absorvente de minerais tóxicos. Usa-se ainda externamente em pomadas para pele doente e em pastas sobre feridas ulcerads”. (14)
Das bagas do Louro-da-terra, para além do óleo ainda hoje utilizado na Madeira pelas famílias mais pobres na iluminação, este é ainda procurado para remédio caseiro.
Da baga da Uva-da-serra (espécie semelhante à nossa; a espécie açoriana não existe na Graciosa), na Madeira produz-se uma compota que, segundo a tradição popular, é bom remédio para a tosse e o catarro. Também nos últimos anos a baga da Uveira foi exportada para França para o fabrico de um medicamento oftalmológico. (15)
Os exemplos que vimos mostram-nos que a flora açoriana poderá ter uma importância económica e médica, que só as gerações vindouras serão capazes de avaliar.
O interesse estético e a sua originalidade pode ser um dos atractivos para as gerações presentes e futuras, assim como para os turistas que nos visitam e muitas vezes se deparam com um clima muitas vezes imprevisível e com falta de outros atractivos.
A flora dos Açores, rica em espécies endémicas, apresenta também interesse do ponto de vista científico. “Botânicos e zoologistas sempre se mostraram muito interessados pela vida animal e vegetal das ilhas. O mais importante estímulo para um futuro desenvolvimento da investigação em grupos de ilhas isoladas, é certamente o proposto os trabalhos de Charles Darwin. A flora e fauna dos Açores oferecem excelentes facilidades para estudos no campo da Taxonomia, Geografia, Sociologia, Ecologia, Genética das plantas, bem como para a história da vegetação”. (Erik Sjorgren, 1984).
Seguem-se algumas sugestões com vistas à protecção da flora endémica:
1- Situando-se a maior área dos Açores com vegetação de espécies endémicas na zona do Pico da Vara, esta deveria ser promovida à categoria de PARQUE NACIONAL.
Parque Nacional é uma “instituição voltada para a protecção da natureza espontânea, com carácter de reserva rigorosa que se estende por grandes áreas, sob jurisdição do estado, com reduzida ou nula presença do Homem” (F. Pessoa). São motivações principais dos Parque Nacionais: (16)
a- Evitar actividades humanas que prejudiquem a conservação de espécies, de ecossistemas ou de regiões de beleza natural;
b- Possibilitar aos visitantes os benefícios (recreativos, educativos e culturais) que a conservação dos parques oferece;
c- Facilitar estudos científicos que são impossíveis noutros locais;

2- Com o objectivo de “preservar determinadas áreas que ainda conservam ecossistemas naturais pouco alterados pela influência humana e/ou que guardam aspectos ou elementos naturais de interesse científico “foram criadas reservas naturais (ex: Lagoa do Fogo, Ilhéu da Vila Franca do Campo, Ilhéu do Topo) e com o objectivo de “salvaguardar áreas rurais ou urbanos onde subsistem aspectos característicos na cultura e hábitos dos povos, bem como nas construções e concepção dos espaços, promovendo-se a continuação de determinadas actividades (agricultura, pastoreio, artesanato, etc.), apoiadas num recreio controlado e orientado para a promoção social, cultural e económica das populações residentes e em que estas participam activa e conscientemente” foram criadas Paisagens Protegidas (ex: Sete Cidades, Monte Brasil e Monte da Guia). Muito mais áreas de interesse haveria a proteger nos Açores, mas sobretudo importa executar a legislação existente. É que, muitas vezes as leis existem, mas ninguém as liga, a começar pelos organismos oficiais. Senão vejamos: em 16 de Fevereiro de 1983 por Decreto Legislativo Regional nº3/83/A, de 3 de Março foi criado a Reserva Natural do Ilhéu da Vila Franca do Campo. O artigo 11º do referido decreto diz-nos: no prazo de um ano, a contar da data de publicação do presente diploma, deverá estar elaborado o projecto de ordenamento da Reserva Natural por um grupo de trabalho nomeado por despacho do Secretário Regional do Equipamento Social e do qual farão parte representantes da Secretaria Regional da Agricultura e Pescas, Secretaria Regional dos Transportes e Turismo, Câmara Municipal de Vila Franca do Campo e do Departamento Marítimo dos Açores”. Não sabemos se o grupo de trabalho chegou a ser criado, o que se sabe é que o projecto de ordenamento ainda não existe.
3- “A criação de jardins botânicos minúsculos, pequenos ou mais, importantes ao nível das localidades, das instituições ou mesmo da região, a fim de, a longo prazo, salvaguardar o maior número possível de espécies, de modo a favorecer o seu conhecimento e pesquisas. Abertos ao público, serão instrumentos de educação e informação incomparáveis.
4- O amor pelas plantas tem grande tradição nas nossas ilhas. Quem não tem um pequeno jardim ou terrenos onde possa cultivar, em vez de uma exótica, uma espécie que é nossa.

Muitos outros problemas relacionados com a natureza poderiam, e deveriam, ter sido referidos mas não o fiz, apenas, por falta de tempo disponível.
Tendo em consideração o postulado fundamental da Ecologia que diz que “Tudo está relacionado com Tudo”, os ecologistas não só se interessam “pelos problemas da natureza, mas também pelas relações interpessoais, sociais e económicas e ainda pela questão política.
Não queria terminar sem citar dois excertos do folheto de apresentação dos Amigos da Terra.
“Não rejeitamos a ciência nem certas tecnologias, mas pensamos que a Revolução Ecológica, embora devendo basear-se na ciência, a ultrapassa na medida em que implica novos valores, uma nova ética e uma nova filosofia de vida (que inclui o antimilitarismo, a autogestão e a descentralização) baseada no redescobrir das necessidades essenciais e autênticas do ser humano, na cooperação e no uso racional do meio ambiente.
A Revolução Ecológica (que implica uma Revolução Cultural), deve ser também a Revolução da Dúvida: da dúvida sobre os padrões de comportamento da sociedade de consumo, da dúvida sobre a actual política do benefício do crescimento económico, de dúvida sobre actual política energética, de dúvida sobre a actuação dos partidos e órgãos de poder político”.

“O futuro não está traçado. A “catástrofe” só acontecerá se nos alhearmos dos problemas. Sejamos Nós a Traçar o Nosso Destino”.

Referências

(1) SILVA, Carlos Eduardo Lins, “Ecologia e Sociedade”, Edições Loyola, São Paulo, 1978.
(2) ELOI, António, “Mudar os discursos, mudar as armas”, in “A Urtiga” nº16, Lagos, Março de 1983.
(3) In “A Ideia” nº36/37, Lisboa, Junho de 1985.
(4) “Princípios mínimos para o máximo entendimento”, Documento aprovado no 1º Encontro Nacional de Ecologistas realizado em Tróia, Março de 1985.
(5) SIMÕES, Ana, “Popillia japonica Newman na Terceira”, in “Arquipélago”, série Ciên. Nat., nº5, Julho de 1984.
(6) LE GRAND, G., “Le moineau Domestique (Passer domesticus) aux Açores”, in “Arquipélago”, série Ciên. Nat. Nº4, Julho de 1983.
(7) LE GRAND, G., “Status e distribuição da avifauna nidificante no arquipélago nos Açores, in “Priôlo” nº2, 1984.
(8) Folheto do Centro de Estudos e Migração e Protecção de Aves.
(9) LE GRAND, G., “Campanha a favor das Plantas Indígenas”, Ponta Delgada, Julho de 1984.
(10) SOARES, Duarte, “Status e Distribuição das plantas vasculares endémicas dos Açores”, in “Arquipélago”, série Ciên. Nat. nº5, Julho de 1984.
(11) COSTA, Francisco Carreiro, “O lume nas traduções populares açorianas”, Boletim nº29/30 da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, Ponta Delgada, 1959.
(12) FURTADO, D, SJOGREN, E., LE GRAND G., “Pico da Vara uma zona de valor internacional a preservar”, Açores, 1982.
(13) Ibid.
(14) DIONÍSIO, J. Andrade, “O valor medicinal da Myrica faya das nossa matas”, I Conferência da Liga para a Protecção da Natureza, Funchal, Abril de 1950, Citado por R. Quintal num seu artigo na “Ideia” nº36/37.
(15) QUINTAL, R., “A Ilha da Madeira, da Floresta Primitiva ao Jardim Botânico actual”, in “A Ideia” nº36/37, Junho de 1985.
(16) SANTO, T. R. do Espírito, “Alguns aspectos da problemática do Ambiente”, IDL Instituto Amaro da Costa.
(17) LE GRAND, G., “Campanha a favor das Plantas Indígenas”, P.D., Maio de 1985.

Além das publicações já referidas foram também consultadas as obras seguintes:
SJOGREN, E., “Flores”, Upsala, 1984.
PESSOA, Fernando, “Ecologia e Território”, Afrontamento, Porto, 1985.
LE GRAND, G., “Ornithologie et Conservation aux Açores”, Tese de Doutoramento, Universidade dos Açores, 1984.
PALHINHA, Ruy Telles, “Catálogo das Plantas Vasculares dos Açores”, Sociedade de Estudos Açorianos Afonso Chaves, Lisboa, 1966.

Teófilo Braga, 1985 (?)

terça-feira, outubro 09, 2007

Partimónio Natural do Concelho de Lagoa

Introdução

Em primeiro lugar, gostaria de fazer uma breve referência à Associação Amigos dos Açores. Trata-se de uma Associação de Defesa do Ambiente, criada em Março de 1985, que tem como objectivo, em termos gerais, contribuir para a construção de um mundo mais limpo, mais justo e pacífico, privilegiando para isso métodos de trabalho e de intervenção não-violentos.

Com cerca de 650 associados espalhados por várias ilhas dos Açores, em Portugal Continental e nas comunidades de emigrantes, a sua acção, embora centrada na Ilha de São Miguel, tem-se estendido a todas as ilhas, quer através da colaboração da autarquias e sobretudo com as escolas de todos os níveis de ensino.

No que diz respeito às suas actividades, a título de exemplo refira-se que, em 1996, a associação promoveu 13 passeios/visitas de estudo, integradas no Projecto Conhecer para Proteger, sendo a média de presenças por passeio de 32 pessoas, realizou 8 passeios exclusivamente para jovens, sendo o número total de participantes 437 e a média por passeio de 55. No que diz respeito às publicações, editou 4 roteiros de percursos pedestres, num total 6000 exemplares, 8000 horários sobre flora e fauna, 1500 calendários sobre o mocho, o boletim Terra Mãe com 600 exemplares, 5000 exemplares de um desdobrável sobre grutas vulcânicas, 6000 exemplares de um desdobrável sobre passeios pedestres e 2000 de um sobre o perigo da introdução de espécies exóticas. Promoveu dois cursos, um sobre orientação e um de introdução à ornitologia. Esteve presente em acções de sensibilização em várias escolas e enviou para outras materiais, sobretudo para apoio à chamada “Área Escola”.

Em segundo lugar, gostaria de me situar face a duas perspectivas de analisar e agir no mundo actual com todos os seus problemas. Ao contrário da maioria dos ambientalistas que “vê o mundo natural meramente como habitat que deve ser manipulado com mínimo de poluição para satisfazer as “necessidades” da sociedade, por muito irracionais ou sintéticas que essas necessidades possam ser” (Murray Bookchin) integro-me numa perspectiva ecológica que “vê o mundo biótico como uma unidade holística de que a humanidade faz parte. Consequentemente, neste mundo, as necessidades humanas devem ser integradas com as da biosfera se se pretende a sobrevivência da espécie humana. A integração…implica um respeito profundo pela variedade natural, pela complexidade dos processos e relações naturais, e pela cultura duma atitude mutualista para com a biosfera”(ibidem).

Assim sendo, para que as questões dos lixos, tanto no interior como no litoral da nossa terra, das inundações e todos os outros denominados problemas ambientais, possam vir a ter uma solução eficaz é necessário optar por um modelo de desenvolvimento sustentável e construir colectivamente uma nova ética que para além de promover novos valores sociais fomente a participação responsável de todos os cidadãos na resolução dos problemas. Para tal a Educação Ambiental é um instrumento fundamental mas que, entre nós, tem sido descurado.

Por razões de economia de tempo, farei, apenas, uma breve referência a dois locais de especial interesse para a Conservação da Natureza situados no Concelho de Lagoa.

Biótopo Ponta da Galera

No Concelho de Lagoa localiza-se o biótopo do Programa Corine denominado Ponta da galera que abrange uma faixa costeira de 36 hectares desde a Ponta de Água de Pau até à foz da Ribeira Chã.

O programa Corine (Coordination, Information, Environment) tem os seguintes objectivos principais:
-Proporcionar um sistema coordenado para a recolha, armazenamento e utilização da informação ambiental a nível europeu;
-Proporcionar um meio de orientar a política de Ambiente da Comunidade, dando-lhe um carácter mais preventivo e protectivo;
-Ajudar a fortalecer a componente ambiental nas políticas sectoriais da comunidade (agrícola, transportes, etc.).


A inclusão desta faixa litoral entre os 55 sítios da região Autónoma dos Açores considerados de interesse comunitário para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais deve-se sobretudo ao facto de ser uma área importante para a nidificação do Cagarro (Calonectris diomedea ssp. borealis), ave marinha perfeitamente adaptada À vida no alto mar, cuja população sofreu uma enorme regressão histórica sobretudo devido à pressão sobre o litoral e do Garajau-comum (Sterna hirundo), cuja a maior colónia na ilha de São Miguel é no Cerco, o qual tem tido vários problemas de conservação, sendo a perturbação pelo homem a maior ameaça para a espécie.

Para além das aves referidas é de registar a presença de outras espécies endémicas e os notáveis valores paisagísticos.

De acordo com o Doutor Ricardo Santos, a zona da Caloura “possui fundos submarinos de grande beleza geológica, formados por arcos de lava. Do ponto de vista da abundância e de diversidade ecológica não é muito representativa. Tem no entanto um grande interesse estético e turístico” pelo que deveria ser classificada como uma Reserva Marinha.

Outro factor de interesse desta zona é a presença de uma gruta vulcânica de grande valor bioespeológico: a gruta de Água de Pau.

A Gruta de Água de Pau, a segunda em extensão da Ilha de São Miguel, com cerca de 325 metros fica situada na base de uma falésia de 75 metros de altura, na Ponta de Água de Pau.

Apresenta uma orientação geral E-W, podendo na maior parte ser percorrida de pé. Na parte terminal divide-se em dois ramos que estão obstruídos por grandes derrocadas.

Nos túneis secundários, de tecto muito baixo com 60 cm de altura existem bonitos conjuntos de estalactites lávicas de fusão, de forma cónica.

Ao longo da gruta são visíveis longos troços com bancadas. A escoada lávica evidencia uma disjunção em lajes, sendo também possível observar, no exterior envolvente da gruta arqueamentos no seio da escoada, bem como tubos de menores dimensões, alguns dos quais totalmente preenchidos.

A fauna desta gruta foi estudada pela primeira vez em 1989 numa expedição conjunta das Universidades da La Laguna (Canárias) e Edinburgh (Escócia). Uma espécie troglóbia, isto é estritamente adaptada ao meio cavernícola, de escaravelho denominada de Thalassophilus azoricus Oromi & Borges foi encontrada e recentemente descrita pelos entomólogos Pedro Oromi, da Universidade de La Laguna, e Paulo Borges, da Universidade dos Açores.

A simples presença nesta gruta daquele escaravelho desprovido de olhos, o único existente nos Açores, o facto de ela ser o único habitat desta espécie em todo o mundo, torna imperiosa a sua protecção.


Reserva Natural da Lagoa do Fogo
Não foi por lapso que incluímos aqui esta referência à Reserva Natural da Lagoa do Fogo, a qual devido à sua inegável beleza paisagística, aliada ao interesse geológico, a sua riqueza de invertebrados e à presença de oito subespécies endémicas da avifauna açoriana fizeram com que esta reserva e alguns terrenos subjacentes fossem integrados no Projecto de Biótopos do Programa Corine, pois uma parte, embora pequena, daquela Área Protegida faz parte integrante do Concelho de Lagoa.

Na zona referida ainda é possível encontrar algumas das plantas que constituem a flora primitiva dos Açores. Entre elas destacamos a presença das seguintes espécies: a Faia (Myrica faya), o Feto-real (Osmunda regalis), o Feto-do-cabelinho (Culcita macrocarpa), o Cedro-do-mato (Juniperus brevifolia), o Azevinho (Ilex perado ssp. azorica), o Patalugo-menor (Leontondon filii), a Uva-da-serra (Vaccinium cylindraceum), a Malfurada (Hypericum foliosum), o Louro-da-terra (Laurus azorica), o Tamujo (Myrsine africana), o Bracel-do-mato (Festuca jubata) e, uma das plantas mais raras e ameaçadas dos Açores, o Trovisco-macho (Euphorbia stygiana).

A título de curiosidade acrescentaria que naquela região, e em muitas outras do concelho, é possível encontrar, para além da Rã (Rana ssp.) que terá sido introduzida em São Miguel para combater os mosquitos nos primeiros anos do século XIX, um outro anfíbio, o Tristão de Crista (Triturus cristatus ssp. carnifex), cuja presença em São Miguel, a única ilha onde pode ser encontrado, data de 1922.

O Tristão de Crista é um dos anfíbios mais ameaçado a nível mundial e por tal motivo está rigorosamente protegido por legislação internacional, sendo uma das espécies incluídas no anexo II da Convenção Relativa à Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa.

No que diz respeito ao Biótopo criado em 1987 não há, do ponto de vista legal, nada que o proteja. Quanto à Reserva Natural da lagoa do Fogo, criada a 15 de Abril de 1974 e que aguardou desde 1982, de acordo com o decreto Legislativo Regional nº10/82, a criação de uma Comissão Administrativa, um plano Director e um Regulamento que definiria os órgãos e o modo de funcionamento daquela continua, tal como todas as outras nos Açores, à espera da sua reclassificação desde 30 de Novembro de 1993.

Embora os locais em causa sejam muito sensíveis não achamos que o acesso do público tenha de ser vedado. O que propomos é que para aquelas áreas, tal como para todo o território, existam planos de ordenamento que deverão ter, entre outros, os seguintes objectivos:
- Proteger e promover os valores naturais, paisagísticos e culturais;
- Enquadrar as actividades humanas através de uma gestão racional dos recursos naturais;
- Assegurar a participação activa de todas as entidades públicas e privadas, em colaboração com as populações locais.

Por último queria afirmar que estou convencido que só com um desenvolvimento equilibrado, onde não hajam “interesses particulares – nem direitos de propriedade nem lucros – que se sobrepunham aos direitos humanos a um ar limpo, a uma água limpa e a uma atmosfera que permita a continuação da vida na Terra” (Walter Cronkite) será possível usufruirmos das riquezas do mundo sem comprometermos os direitos das gerações futuras.

Abril de 1997

Teófilo Braga

terça-feira, outubro 02, 2007

Estratégia Nacional da Conservação da Natureza e da Biodiversidade: Açores à Margem ou Marginalizados

Encontra-se em fase de discussão pública, até ao próximo dia 7 de Maio, uma proposta de Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade que se desenvolve em três partes: na primeira faz-se um breve enquadramento histórico sobre a Conservação da Natureza em Portugal, na segunda parte apresenta-se uma extensa análise da situação de referência dos diferentes habitats existentes no país e, por último, na terceira parte são apresentadas várias medidas para concretizar os objectivos eleitos para cada área de intervenção. Com a Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade pretende-se conservar as componentes da biodiversidade e os elementos da geologia, geomorfologia e palentologia, utilizar de modo sustentável os recursos da biodiversidade e partilhar de forma justa os benefícios que advém daqueles recursos.

Dado o âmbito do presente texto, passamos a apresentar as referências (ou a sua ausência) aos Açores no documento citado.

No que diz respeito à situação de referência não há qualquer menção à situação das áreas classificadas no Açores, o mesmo se passa relativamente aos ecossistemas dulçaquícolas e às cavidades vulcânicas. Ainda no mesmo ponto, mas no âmbito da flora é dado destaque a duas espécies endémicas: Azorina vidalii (Vidália) e Juniperus brevifolia (Cedro do mato) e à exótica Hedychium gardneranum (Conteira ou Roca). É feita também referência ao facto de nos Açores a taxa de endemismos ser de 50% para os moluscos terrestres e não é esquecida a presença do Tristão de Crista. Quanto à avifauna regista-se que o número de espécies nidificantes não vai além de 35% e que destas, 47% estão sujeitas a alguma forma de ameaça. No que toca aos mamíferos é feita referência ao Morcego dos Açores, um dos dois mamíferos endémicos portugueses e ao Cachalote.

Relativamente ao Planeamento e Ordenamento do Território não há qualquer referência à situação nos Açores.

Atendendo à importância do documento em causa e ao facto de pretender estabelecer linhas estratégicas para aplicação no todo nacional, não entendemos por que razão a Direcção Regional do Ambiente não promove(u) a discussão pública do mesmo, através da organização de sessões públicas, tal como está a ser feito no continente, onde se realizaram no mês de Abril sete sessões. Também, gostaríamos de conhecer qual foi a participação do Governo Regional na Elaboração em discussão e se foi solicitada a colaboração da Universidade dos Açores.

(Publicado no “Açoriano Oriental, 4 de Maio de 1999)

Problemas Ecológicos e Actividades Desportivas

Problemas Ecológicos e Actividades Desportivas


1- Problemas Ecológicos


Antes de mais, gostaria de referir que ao falarmos em ecologia por vezes estamos a referir-nos a coisa distintas. Com efeito, podemos distinguir duas vertentes do conceito de ecologia: a científica e a social.

O termo ecologia foi usado pela primeira vez, em 1886, pelo biólogo alemão Ernst Haeckel. Segundo ele, a ecologia é a “investigação das relações totais do animal tanto com o seu ambiente orgânico como inorgânico”.

A interacção existente entre a sociedade e natureza fez com que a ciência, aos poucos, se tornasse em actividade de intervenção política e social, em ecologismo – termo criado por Dominique Simonnet, em 1970, para distinguir ciência de intervenção social.

Apontar causas para os problemas ecológicos é tarefa que não fácil. Contudo, muitas vezes, atribui-se a responsabilidade à “mentalidade tecnológica” e ao crescimento demográfico, o que quanto a nós não faz qualquer sentido. Tal como Murray Bookchin, acreditamos que “as forças que contribuem para a destruição planetária têm as suas raízes na economia mercantil do “cresce ou morres”, num modo de produção que tem de expandir-se enquanto sistema concorrencial”. Sobre o mesmo assunto, Delgado Domingues refere que: ”Crescimento económico tem sido sinónimo de acumulação de capital construído pelo Homem, criando a ilusão de que esse capital pode substituir o capital natural, que são os recursos naturais, e não pode. É por isso que este tipo de crescimento é impossível e insustentável”.

Rejeitamos, categoricamente, a campanha oficial que pretende fazer crer que “todos somos responsáveis”, quando, quanto a nós, é à ordem social dominante no nosso planeta, que se rege pela lógica do crescimento ilimitado, que deve se imputada a causa primeira dos principais problemas ambientais e sociais existentes. Mas, tal como Emmanuelle de Lesseps, achamos importante que o cidadão “deixe de ser cúmplice do ciclo infernal produção-consumo” e aprenda a “economizar os recursos naturais, boicotar o sobreconsumo, lançar as bases dum novo modo de vida.

2 – Desportos e Ambiente

Nas últimas duas décadas os desportos de ar livre têm sofrido um crescimento que por muitos é considerado avassalador. Não só apareceram novas modalidades como o BTT ou o Parapente, como desenvolveram-se algumas que estavam “esquecidas” como a Espeleologia, a Escalada, o Montanhismo, etc.

De acordo com o Guia dos Desportos Aventura, da autoria de Incitare/João Matos, há que distinguir o desporto aventura do denominado desporto radical. Assim, o desporto radical implica para alguns praticantes uma filosofia de vida cuja característica principal é o viver intensamente cada momento, numa “busca contínua de sensações fortes, de adrenalina, onde os limites individuais são testados na cada passo” ao passo que o desporto aventura, embora não ponha de parte a emoção e alguma adrenalina, não vai muito além de “uma pausa na rotina do dia-a-dia, de preferência num ambiente calmo, despoluído e em contacto com a natureza”,

As modalidades desportivas ligadas à natureza, não só passaram a fazer parte dos currículos escolares, como, nalguns casos, são encaradas como uma ferramenta de formação, tendo como área preferencial o desenvolvimento organizacional.

Muitas são as vantagens atribuídas aos desportos de ar livre. Destas destacaríamos as relacionadas com a formação dos jovens e a protecção do ambiente:
- Desenvolvem capacidades de adaptação;
- Asseguram uma certa autonomia;
- Despertem o interesse pela actividade física;
- Contribuem para despertar o interesse para a riqueza da flora, fauna e actividades humanas;
- Oferecem uma oportunidade para a reflexão acerca dos problemas ecológicos.

Apesar das muitas vantagens que as actividades desportivas na natureza possam ter, elas poderão, também, contribuir para a degradação do património natural. Assim, as diversas actividades, feitas sem o mínimo de respeito para com o meio, poderão contribuir para:
- Aumentar a presença humana nos habitats mais sensíveis;
- Dispersar os lixos;
- Interferir com a fauna selvagem;
- Destruir a flora;
E, no caso das actividades motorizadas, para além do que vimos, são também responsáveis por:
- Incrementar a erosão dos solos;
- Perturbar e causar estragos em propriedades, sobretudo dos lavradores;
- Aumentar um ruído;
- Destruir os fundos aquáticos de lagoas e lagoeiros.

Terminaria com a apresentação de um extracto de um quadro onde se faz uma classificação do impacto ambiental de algumas actividades de ar livre, proposta pela Revista Integral (nº163, Julho de 1993). Gostaria de salientar que a classificação apresentada é muito subjectiva e algumas actividades à partida mais hostis para com o ambiente podem causar menor impacto se forem seguidas determinadas normas de conduta ao passo que, outras tido como ecológicas, poderão ter um impacto bastante negativo se forem realizadas de um modo irresponsável.

(texto que serviu de Base à comunicação apresentada no Seminário “Desporto e Ecologia”, promovido pela Escola Secundária das Laranjeiras, no dia 23 de Abril de 1998)

Educação Ambiental e Percursos Pedestres

“Os povos civilizados dependem demasiado da página impressa. Eu voltei-me para o livro do Grande Espírito, que é o conjunto da grande criação. Podeis ler grande parte desse livro estudando a natureza. Se tombardes todos os vossos livros e os estenderes ao sol, deixando durante algum tempo a chuva, a neve, os insectos fazerem a sua obra nada mais restará. Mas o Grande Espírito fornece-nos a possibilidade de estudar na universidade da natureza: as florestas, os rios, as montanhas e os animais”. (Tatanga Mani dos Stoney)

O caminho percorrido pela Educação Ambiental como procura de respostas para os problemas da biosfera teve início, em Junho de 1972, com a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, conhecida como a Conferência de Estocolmo. Com efeito, a Declaração sobre o Ambiente Humano recomenda o estabelecimento de um programa internacional de Educação Ambiental e reconheceu a esta o seu papel crítico para combate à crise ambiental no mundo. Outro marco histórico de enorme importância para o desenvolvimento da Educação Ambiental, talvez o mais decisivo, foi a Conferência Intergovermental sobre Educação Ambiental (Conferência de Tbilisi), que se realizou, entre 14 e 16 de Outubro, na Geórgia (Ex-URSS). A Declaração sobre a Educação, aprovada em Tbilisi, precisou a natureza da educação ambiental, definiu os seus objectivos e as suas características, assim como as estratégias para o seu desenvolvimento. O princípio geral da Educação Ambiental aprovado na Declaração de Tbilisi pode ser enunciado do seguinte modo: “Fazer compreender às pessoas e à comunidade a natureza complexa resultante dos factores físicos, biológicos, sociais, económicos e culturais, do ambiente natural e urbano e dar a estas pessoas ou comunidades a oportunidade de adquirir os conhecimentos, os valores, as atitudes e as aptidões práticas que lhes permitam ajudar de uma maneira responsável e eficaz a prever e resolver os problemas ecológicos e gerir a qualidade do ambiente”.

Para alcançar aquele princípio, a Educação Ambiental deverá respeitar, entre outros, os seguintes: considerar o ambiente no seu todo (natural, social, económico, político, moral, estético, histórico-cultural); constituir um processo contínuo, iniciando-se ao nível do ensino pré-escolar e prosseguir através de todas as etapas da educação formal e não-formal; adoptar uma abordagem eminentemente interdisciplinar orientada para a resolução de problemas locais; desenvolver o espírito crítico; procurar autonomia e a participação dos educandos na organização da aprendizagem.

Em 1992, subscrito por 34 associações de defesa do ambiente, entre os quais os Amigos do Açores, foi aprovado em Évora o “Contributo das Associações de Defesa do Ambiente para uma Estratégia Nacional de Educação”. Um dos objectivos definidos naquela proposta foi o de potenciar a participação das populações locais na Educação Ambiental formal e não-formal. Para a sua concretização aponta-se a criação de Centros de Iniciação ao Ambiente, bem como de Espaços Educativos de Suporte à Educação Ambiental e o estabelecimento de percursos pedestres de descoberta.

Desde 1985, data da sua fundação, os Amigos dos Açores já promoveram mais de uma centena de passeios pedestres / visitas de estudos destinadas a adultos e a jovens em idade escolar, já editaram e reeditaram 11 roteiros pedestres, num total 20.000 exemplares publicados, sempre com o objectivo de promover o contacto mais estreito entre o Homem e a natureza, possibilitando o conhecimento da espécies animais e vegetais, da história local, da Geologia, etc. Para além do referido, os percursos, não só constituem um importante instrumento pedagógico para a implementação da educação ambiental, mas também na promoção do turismo e do lazer.

Bibliografia

CONTENTE, J., BRAGA, T.(1996), Educação para o Ambiente, polic.
DIAS, G., (1992), Educação Ambiental: princípios e práticas, São Paulo, Editora Gaia, Ltda.
MELO, J., (1999), Os 500 anos do Brasil e a Educação Ambiental, polic.
OSTOLAZA, M. (1996), Eco-Auditoria Escolar, Vitória-Gasteiz, Servicio Central de Publicaciones del Gobierno Vasco.
ROCHA, P., (1999), Arte Educação Ambiental para uma cidadania Político-Participativa, polic.
(1992), Contributo das Associações de defesa do Ambiente para a Estratégia Nacional de Educação Ambiental, Évora, Centro de Iniciação ao Ambiente- Liga para a Protecção da Natureza.


(Publicado no “Açoriano Oriental”, 5 de Junho de 2000)