segunda-feira, outubro 22, 2007

Vila Franca: O Ambiente, suas Potencialidades e Problemas

VILA FRANCA:
O AMBIENTE, SUAS POTENCIALIDADES E PROBLEMAS

INTRODUÇÃO
São por demais conhecidos os problemas globais de ambiente, dos quais se destacam, a título de exemplo: as alterações climáticas, a destruição da camada de ozono, a degradação da qualidade do ar, da água e dos solos, a extinção de muitos milhares de espécies, etc.
Nos Açores, embora a situação não seja catastrófica, é contraproducente ignorar os crescentes problemas que afectam a qualidade do nosso ambiente. É a gestão eficaz dos resíduos que está por encontrar, é a qualidade da água de consumo público que deixa a desejar, é o estado em que se encontram as nossas lagoas, é a situação dramática da floresta autóctone, é o abandono das “áreas protegidas”, etc., etc.
O Concelho de Vila Franca possui um património natural e cultural bastante rico que faz com que sejam grandes as potencialidades para o desenvolvimento de um turismo alternativo que respeite e tenha por base a história, a arte, as tradições, a exploração das paisagens, a geologia, a fauna e a flora autóctones, etc.
Sendo tema que nos propusemos tratar tão vasto achei por bem, para não tornar maçador, uma breve referência a alguns componentes ambientais naturais, como o solo, a água, a flora e a fauna e ao instrumento da política de ambiente que é o ordenamento integrado do território, o qual inclui a criação de áreas protegidas.

ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO
Nos Açores é recente a preocupação com o ordenamento do território, o qual, de acordo com a Lei de Bases do Ambiente, tem por objectivo “o uso e a transformação do território, de acordo com as suas capacidades e vocações e a permanência de valores do equilíbrio biológico e de estabilidade geológica, numa perspectiva de aumento da sua capacidade de suporte de vida”.
O Plano Regional de ordenamento do Território dos Açores, em fase de elaboração, devido à falta de dados, sua não disponibilização por parte de quem os possui, marginalização a que é votado o ambiente e o património construído, em nada irá contribuir para a definição de uma eficaz política de ambiente, se não forem envidados esforços no sentido de colmatar as lacunas apontadas. Assim, se tudo continuar como até aqui, os problemas ambientais dos Açores tenderão a agravar-se.

SOLOS
A existência de pastagens em zonas de declive acentuado é uma das principais causas da erosão dos solos nos Açores. Segundo o DREPA, “a intensa apanha da Leiva, em são Miguel, o arroteamento generalizado de zonas de matos para a ampliação das pastagens e a movimentação mecânica de grandes volumes de terra, são outras das razões da degradação dos solos no arquipélago”. Sinais do que atrás referimos podem ser vistos no nosso concelho nos locais mais altos, nomeadamente na zona do Monte Escuro. No que diz respeito à exploração de inertes, não há qualquer cuidado na escolha dos locais, como é o caso da extracção feita no cone do Monte Escuro, bem como na sua recuperação após o fim da mesma. Um plano preestabelecido de exploração de inertes que tenha em conta não só a vertente económica, deverá ser implementado quanto antes.
“A defesa e valorização do solo como recurso natural determina a adopção de medidas conducentes à sua racional utilização, a evitar a sua degradação e a promover a melhoria da sua fertilidade e regeneração, incluindo o estabelecimento de uma política de gestão de recursos naturais que salvaguarde a estabilidade ecológica e os ecossistemas de produção, protecção ou uso múltiplo e regule o ciclo da água” (Lei de Bases do Ambiente, Artº13, ponto 1).
Subscrevemos o atrás transcrito e concluímos adaptando uma frase do Arq. Reis Gomes. “As monoculturas que são sempre empobrecedoras na perspectiva ecológica, são nas nossa ilhas contra-natura”.

ÁREAS PROTEGIDAS
As áreas protegidas nos Açores são essencialmente constituídas por Reservas Naturais, Paisagens protegidas, Reservas Florestais Naturais e de Recreio e Biótopos do Programa Corine.
No nosso concelho ficam situadas as reservas Naturais da Lagoa do Fogo e do Ilhéu da Vila Franca, a Reserva Florestal de Recreio do Cerrado dos Bezerros e o Biótopo Costa de Vila Franca do Campo. Outros locais mereciam estar classificados, entre eles destaco a zona das Lagoas do Congro e Nenúfares e o Pico da Dona Guiomar com a sua magnífica Lagoinha do Areeiro.

O Biótopo Costa de Vila Franca do Campo abrange uma faixa costeira de 110 hectares, desde a Praia da Vinha da Areia até à Praia da Ribeira Quente. A sua inclusão entre os locais de maior importância para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais da Comunidade Económica Europeia é devida ao seu interesse botânico, a ser sítio de passagem de aves migratórias e local de nidificação do Cagarro e do Milhafre e à presença de considerável número de invertebrados endémicos do nosso arquipélago.
O Projecto Biótopos do Programa Corine que tem por finalidade a conservação dos habitats não tem qualquer suporte legislativo que os proteja na prática.
A urgência de uma intervenção tendente a disciplinar as actividades humanas no complexo formado pela Lagoa do Fogo e terrenos que a marginam levou a que por decreto nº 152/74, de 15 de Abril, fosse criada a reserva natural da Lagoa do Fogo.
A notável beleza paisagística aliada ao interesse geológico, a presença de cerca de 20 espécies da nossa flora endémica, a sua riqueza em invertebrados e a presença de 8 subespécies endémicas da avifauna açoriana fizeram com que esta reserva e alguns terrenos adjacentes, perfazendo um total de 2920 hectares fossem integrados no projecto Biótopos já referido.
O Decreto Regional nº 10/82/A previa a criação de uma comissão administrativa e estabelecia um prazo de 12 meses para ser apresentado o Plano Director da Reserva e aprovado o Regulamento que definiria os órgãos e modo de funcionamento daquela, até hoje nada feito. A extracção diária de leivas, o aumento de infestantes, como o Gigante e a Cletra, a florestação à base de exóticas, os trabalhos de prospecção geotérmica, o aumento da área de pastagens, etc. têm vindo a descaracterizar aquele paradisíaco local.
O Ilhéu de Vila Franca foi considerado por Decreto Legislativo Regional nº 3/83/A, de 3 de Março, Reserva Natural e é um dos 55 sítios, da Região Autónoma dos Açores, considerados de interesse comunitária por ser importante área de passagem e nidificação de aves migratórias, devido à presença de vegetação endémica e possuir uma área marítima de interesse para a conservação da fauna aquática. A elevada pressão humana e a existência de plantas infestantes, entre elas a lantana, são as principais causas da sua degradação.
Nestas áreas de grande interesse científico e de elevadas potencialidades económicas é imperioso:
-- Proceder, quanto antes aos estudos de ordenamento e aprovar os seus regulamentos;
-- Criar redes de vigilância de modo a tornar possível uma fiscalização eficaz:
-- Por em funcionamento os seus órgãos de gestão e implementar uma gestão rigorosa, tendo em vista, entre outros, a protecção e estudo dos ecossistemas naturais.

FLORA
A flora vascular dos Açores é constituída por 1011 espécies, destas 2/3 foram introduzidas e apenas cerca de 60 são endémicas.
A vegetação autóctone dos Açores tem vindo a regredir desde a chegada dos portugueses a estas ilhas, devido ao impacto da actividade humana, ocupando hoje áreas diminutas e em constante regressão.
A situação em que se encontra a flora dos Açores é deveras crítica: 73% das espécies endémicas estão incluídas na lista de plantas raras e ameaçadas da flora vascular europeia publicada, em 1983, pelo Conselho da Europa: algumas delas, dezanove, encontram-se, segundo o botânico sueco Erick Sjogren, em perigo de se extinguirem.
Dada a importância das comunidades vegetais dos Açores, o mais valioso património terrestre, subscrevemos uma proposta apresentada por um conjunto de oito associações ambientalistas, entre as quais a QUERCUS/AÇORES e os AMIGOS DOS AÇORES, de criação de um plano de emergência que contemple, entre outros, os seguintes princípios básicos:
-- Privilegiar a classificação de áreas de protecção relativamente vastas e com elevado número de espécies ameaçadas, em que estejam representadas o máximo de comunidades vegetais, em lugar da classificação de numerosas áreas homogéneas, pequenas e isoladas, mas altamente vulneráveis;
-- Condicionar rigorosamente a introdução de espécies animais e vegetais exóticas no arquipélago, devido à fragilidade e vulnerabilidade dos ecossistemas insulares, e iniciar programas de controlo das plantas exóticas invasoras existentes.

FAUNA
A fauna dos Açores é bastante pobre. A única espécie de vertebrado considerada endémica é o Morcego (Nyctalus azorium).
No que diz respeito à avifauna, cerca de duzentas espécies migratórias passam pelo arquipélago, 36 espécies nidificam cá, sendo 12 delas subespécies endémicas.
O não respeito pela lei da caça, a própria pressão exercida por esta, a ignorância das Directivas Comunitárias por parte dos caçadores e das autoridades locais, poderá levar a que aves, como a Galinhola (Scolopax rusticola), a Narceja (Gallinago gallinago), a Garça-real (Ardea cinerea) e o Pato-real (Anas platyrhynchos), que se tornaram residentes, deixem de cá nidificar.
Por último, salientamos o caso do Cagarro (Calonectris diomedea ssp. borealis), tem uma distribuição mundial bastante restrita e que tem sido alvo de vandalismo, nos locais onde nidifica, o que tem acontecido no Ilhéu da Vila Franca, e o do Garajau-rosado (Sterna dougallii), espécie inserida na lista mundial das aves ameaçadas do Conselho Internacional Para a Conservação das Aves e no anexo II (espécies de fauna estritamente protegidas) da Convenção Relativa à Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa e que, nos locais de nidificação, são perturbados pela presença do Homem e de animais, quando não são alvo de selvajaria.
Não queríamos terminar sem antes referir o caso das lapas, dos golfinhos, do mero, das tartarugas, etc., que são bons exemplos do não cumprimento da legislação que os protege.
Nesta área, é urgente:
-- Adaptar a legislação regional (Lei da caça, etc.) às Directivas Comunitárias e criar mecanismos para fazer cumprir a lei;
-- Recuperar e preservar os habitats mais alterados e degradados;
-- Sensibilizar e educar as populações (e os responsáveis políticos);

ÁGUAS
Neste ponto, apenas uma referência à água de consumo público e às águas balneares.
Nos Açores, nos últimos anos, o aumento do consumo de água acompanha uma degradação da qualidade dos recursos hídricos, resultante, sobretudo, do aumento da área do solo ocupada pela pastagem. Com efeito, a intensificação da bovinicultura é a principal responsável pela degradação microbiológica e química das águas de abastecimento público.
As captações não estão protegidas, a água não é tratada e os laboratórios existentes não têm a capacidade para efectuar uma correcta vigilância sanitária.
Neste domínio o que deverá ser feito?
-- Proceder ao levantamento dos recursos hídricos, com vista ao seu coerente e responsável aproveitamento:
-- Proteger as bacias hidrográficas, nomeadamente pela aquisição de terreno a circundantes e sua florestação com espécies adequadas para o efeito;
-- Implementar a realização de análises periódicas, quer químicas, quer bacteriológicas;
-- Renovar e remodelar toda a rede;
-- Acabar com a diluição de competências relativas à gestão dos recursos hídricos;
O litoral da Vila Franca, sobretudo o do centro da Vila, tem sido local de descarga de águas residuais domésticas, não tratadas, o que afecta a qualidade da água do mar e poderá ter consequências negativas para a saúde humana. A título de exemplo, refira-se que a água da Praia do Corpo Santo foi considerada de má qualidade (excedia o VMA-10000 coliformes totais/100m, 2000 coliformes fecais/100m, VMR-500 coliformes totais/100m, 100 coliformes fecais /100m) este ano pela Direcção-Geral da Qualidade do Ambiente e pela Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários. Nesta área é urgente o tratamento das águas antes de serem lançadas para o mar.
Perante os problemas que afectam, quer globalmente o planeta, quer a nossa região, não podemos ficar de braços cruzados à espera que as entidades oficiais façam algo. Já no séc. XVIII, Edmund Burke dizia: “ninguém cometeu um erro maior do que aquele que nada fez, porque era muito pouco aquilo que podia fazer”.
Estou convencido que só com um desenvolvimento equilibrado, onde não haja “interesses particulares – nem direitos de propriedades, nem lucros – que se sobreponham aos direitos humanos a um ar limpo, a uma água limpa e a uma atmosfera que permita a continuação da vida na terra” (Walter Cronkite) será possível usufruirmos das riquezas do mundo sem comprometermos os direitos das gerações futuras.

(Texto da Comunicação apresentada num Jantar dos Lyons de Vila Franca do Campo, 31 de Outubro de 1992)

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