terça-feira, outubro 09, 2007

Partimónio Natural do Concelho de Lagoa

Introdução

Em primeiro lugar, gostaria de fazer uma breve referência à Associação Amigos dos Açores. Trata-se de uma Associação de Defesa do Ambiente, criada em Março de 1985, que tem como objectivo, em termos gerais, contribuir para a construção de um mundo mais limpo, mais justo e pacífico, privilegiando para isso métodos de trabalho e de intervenção não-violentos.

Com cerca de 650 associados espalhados por várias ilhas dos Açores, em Portugal Continental e nas comunidades de emigrantes, a sua acção, embora centrada na Ilha de São Miguel, tem-se estendido a todas as ilhas, quer através da colaboração da autarquias e sobretudo com as escolas de todos os níveis de ensino.

No que diz respeito às suas actividades, a título de exemplo refira-se que, em 1996, a associação promoveu 13 passeios/visitas de estudo, integradas no Projecto Conhecer para Proteger, sendo a média de presenças por passeio de 32 pessoas, realizou 8 passeios exclusivamente para jovens, sendo o número total de participantes 437 e a média por passeio de 55. No que diz respeito às publicações, editou 4 roteiros de percursos pedestres, num total 6000 exemplares, 8000 horários sobre flora e fauna, 1500 calendários sobre o mocho, o boletim Terra Mãe com 600 exemplares, 5000 exemplares de um desdobrável sobre grutas vulcânicas, 6000 exemplares de um desdobrável sobre passeios pedestres e 2000 de um sobre o perigo da introdução de espécies exóticas. Promoveu dois cursos, um sobre orientação e um de introdução à ornitologia. Esteve presente em acções de sensibilização em várias escolas e enviou para outras materiais, sobretudo para apoio à chamada “Área Escola”.

Em segundo lugar, gostaria de me situar face a duas perspectivas de analisar e agir no mundo actual com todos os seus problemas. Ao contrário da maioria dos ambientalistas que “vê o mundo natural meramente como habitat que deve ser manipulado com mínimo de poluição para satisfazer as “necessidades” da sociedade, por muito irracionais ou sintéticas que essas necessidades possam ser” (Murray Bookchin) integro-me numa perspectiva ecológica que “vê o mundo biótico como uma unidade holística de que a humanidade faz parte. Consequentemente, neste mundo, as necessidades humanas devem ser integradas com as da biosfera se se pretende a sobrevivência da espécie humana. A integração…implica um respeito profundo pela variedade natural, pela complexidade dos processos e relações naturais, e pela cultura duma atitude mutualista para com a biosfera”(ibidem).

Assim sendo, para que as questões dos lixos, tanto no interior como no litoral da nossa terra, das inundações e todos os outros denominados problemas ambientais, possam vir a ter uma solução eficaz é necessário optar por um modelo de desenvolvimento sustentável e construir colectivamente uma nova ética que para além de promover novos valores sociais fomente a participação responsável de todos os cidadãos na resolução dos problemas. Para tal a Educação Ambiental é um instrumento fundamental mas que, entre nós, tem sido descurado.

Por razões de economia de tempo, farei, apenas, uma breve referência a dois locais de especial interesse para a Conservação da Natureza situados no Concelho de Lagoa.

Biótopo Ponta da Galera

No Concelho de Lagoa localiza-se o biótopo do Programa Corine denominado Ponta da galera que abrange uma faixa costeira de 36 hectares desde a Ponta de Água de Pau até à foz da Ribeira Chã.

O programa Corine (Coordination, Information, Environment) tem os seguintes objectivos principais:
-Proporcionar um sistema coordenado para a recolha, armazenamento e utilização da informação ambiental a nível europeu;
-Proporcionar um meio de orientar a política de Ambiente da Comunidade, dando-lhe um carácter mais preventivo e protectivo;
-Ajudar a fortalecer a componente ambiental nas políticas sectoriais da comunidade (agrícola, transportes, etc.).


A inclusão desta faixa litoral entre os 55 sítios da região Autónoma dos Açores considerados de interesse comunitário para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais deve-se sobretudo ao facto de ser uma área importante para a nidificação do Cagarro (Calonectris diomedea ssp. borealis), ave marinha perfeitamente adaptada À vida no alto mar, cuja população sofreu uma enorme regressão histórica sobretudo devido à pressão sobre o litoral e do Garajau-comum (Sterna hirundo), cuja a maior colónia na ilha de São Miguel é no Cerco, o qual tem tido vários problemas de conservação, sendo a perturbação pelo homem a maior ameaça para a espécie.

Para além das aves referidas é de registar a presença de outras espécies endémicas e os notáveis valores paisagísticos.

De acordo com o Doutor Ricardo Santos, a zona da Caloura “possui fundos submarinos de grande beleza geológica, formados por arcos de lava. Do ponto de vista da abundância e de diversidade ecológica não é muito representativa. Tem no entanto um grande interesse estético e turístico” pelo que deveria ser classificada como uma Reserva Marinha.

Outro factor de interesse desta zona é a presença de uma gruta vulcânica de grande valor bioespeológico: a gruta de Água de Pau.

A Gruta de Água de Pau, a segunda em extensão da Ilha de São Miguel, com cerca de 325 metros fica situada na base de uma falésia de 75 metros de altura, na Ponta de Água de Pau.

Apresenta uma orientação geral E-W, podendo na maior parte ser percorrida de pé. Na parte terminal divide-se em dois ramos que estão obstruídos por grandes derrocadas.

Nos túneis secundários, de tecto muito baixo com 60 cm de altura existem bonitos conjuntos de estalactites lávicas de fusão, de forma cónica.

Ao longo da gruta são visíveis longos troços com bancadas. A escoada lávica evidencia uma disjunção em lajes, sendo também possível observar, no exterior envolvente da gruta arqueamentos no seio da escoada, bem como tubos de menores dimensões, alguns dos quais totalmente preenchidos.

A fauna desta gruta foi estudada pela primeira vez em 1989 numa expedição conjunta das Universidades da La Laguna (Canárias) e Edinburgh (Escócia). Uma espécie troglóbia, isto é estritamente adaptada ao meio cavernícola, de escaravelho denominada de Thalassophilus azoricus Oromi & Borges foi encontrada e recentemente descrita pelos entomólogos Pedro Oromi, da Universidade de La Laguna, e Paulo Borges, da Universidade dos Açores.

A simples presença nesta gruta daquele escaravelho desprovido de olhos, o único existente nos Açores, o facto de ela ser o único habitat desta espécie em todo o mundo, torna imperiosa a sua protecção.


Reserva Natural da Lagoa do Fogo
Não foi por lapso que incluímos aqui esta referência à Reserva Natural da Lagoa do Fogo, a qual devido à sua inegável beleza paisagística, aliada ao interesse geológico, a sua riqueza de invertebrados e à presença de oito subespécies endémicas da avifauna açoriana fizeram com que esta reserva e alguns terrenos subjacentes fossem integrados no Projecto de Biótopos do Programa Corine, pois uma parte, embora pequena, daquela Área Protegida faz parte integrante do Concelho de Lagoa.

Na zona referida ainda é possível encontrar algumas das plantas que constituem a flora primitiva dos Açores. Entre elas destacamos a presença das seguintes espécies: a Faia (Myrica faya), o Feto-real (Osmunda regalis), o Feto-do-cabelinho (Culcita macrocarpa), o Cedro-do-mato (Juniperus brevifolia), o Azevinho (Ilex perado ssp. azorica), o Patalugo-menor (Leontondon filii), a Uva-da-serra (Vaccinium cylindraceum), a Malfurada (Hypericum foliosum), o Louro-da-terra (Laurus azorica), o Tamujo (Myrsine africana), o Bracel-do-mato (Festuca jubata) e, uma das plantas mais raras e ameaçadas dos Açores, o Trovisco-macho (Euphorbia stygiana).

A título de curiosidade acrescentaria que naquela região, e em muitas outras do concelho, é possível encontrar, para além da Rã (Rana ssp.) que terá sido introduzida em São Miguel para combater os mosquitos nos primeiros anos do século XIX, um outro anfíbio, o Tristão de Crista (Triturus cristatus ssp. carnifex), cuja presença em São Miguel, a única ilha onde pode ser encontrado, data de 1922.

O Tristão de Crista é um dos anfíbios mais ameaçado a nível mundial e por tal motivo está rigorosamente protegido por legislação internacional, sendo uma das espécies incluídas no anexo II da Convenção Relativa à Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa.

No que diz respeito ao Biótopo criado em 1987 não há, do ponto de vista legal, nada que o proteja. Quanto à Reserva Natural da lagoa do Fogo, criada a 15 de Abril de 1974 e que aguardou desde 1982, de acordo com o decreto Legislativo Regional nº10/82, a criação de uma Comissão Administrativa, um plano Director e um Regulamento que definiria os órgãos e o modo de funcionamento daquela continua, tal como todas as outras nos Açores, à espera da sua reclassificação desde 30 de Novembro de 1993.

Embora os locais em causa sejam muito sensíveis não achamos que o acesso do público tenha de ser vedado. O que propomos é que para aquelas áreas, tal como para todo o território, existam planos de ordenamento que deverão ter, entre outros, os seguintes objectivos:
- Proteger e promover os valores naturais, paisagísticos e culturais;
- Enquadrar as actividades humanas através de uma gestão racional dos recursos naturais;
- Assegurar a participação activa de todas as entidades públicas e privadas, em colaboração com as populações locais.

Por último queria afirmar que estou convencido que só com um desenvolvimento equilibrado, onde não hajam “interesses particulares – nem direitos de propriedade nem lucros – que se sobrepunham aos direitos humanos a um ar limpo, a uma água limpa e a uma atmosfera que permita a continuação da vida na Terra” (Walter Cronkite) será possível usufruirmos das riquezas do mundo sem comprometermos os direitos das gerações futuras.

Abril de 1997

Teófilo Braga

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