sábado, outubro 13, 2007

PROBLEMAS AMBIENTAIS DOS AÇORES

Introdução

O que entendemos por Ecologia?

“ A ecologia é ter o canto de uma ave na cabeça e os pés na terra”
(Jean-Paul Ribes, “La Baleine”)


O termo ecologia foi usado pela primeira vez, em 1866, pelo biólogo alemão, Ernst Haeckel, na sua obra Generelle Morphologie der Organismen. Segundo ele, a ecologia é a “investigação das relações totais do animal tanto com o seu ambiente orgânico como inorgânico.” (1)
A ecologia, que só a partir de 1919 deixou de ser um ramo da Biologia, pode ser definida como “a ciência que estuda as relações do Homem com o ambiente vivo e a natureza que o envolve, a comunicação que se estabelece entre os organismos vivos, desde a mais pequena célula ao mais complexo sistema vivo.” (2)
Ao considerar que o Homem vive, simultaneamente, num ambiente natural, social e psicológico Julian Huxley advoga a necessidade de se ampliar o conceito de ecologia. Assim, segundo ele, a Ecologia Social “lida com as relações sociais do Homem, tanto dentro como entre as sociedades humanas” e a Ecologia Psicológica “preocupa-se com as relações individuais e colectivas do Homem, com as forças e recursos da sua natureza íntima e o mundo das ideias, crenças e valores que ele criou e com os quais se cercou”.
A interacção existente entre sociedade e natureza fez com que, a partir de certo momento, a ecologia se tornasse, pouco a pouco, em actividade de intervenção política e social, em ecologismo – termo usado por Dominique Simonnet, em 1979, para distinguir ciência de actividade político-social (3).
Em suma, podemos distinguir duas vertentes no conceito de ecologia: a científica e a social. Estas “não podem ser entendidas numa antítese, mas sim como dois aspectos da mesma realidade global. A previsão científica permite orientar a intervenção social, e esta corrigir a primeira” (4).

Ao lutarem pela preservação do meio, das reservas naturais, e de todas as riquezas do património mundial, os ecologistas apontam não só para o fim da delapidação desenfreada dos recursos, como também para uma via socialmente libertadora, capaz de transformar as comunidades e os indivíduos em elementos activos na construção de uma relação harmoniosa da sociedade consigo própria e desta com o mundo envolvente. (Princípios Mínimos para o Máximo Entendimento)

Os Açores embora possa ser considerado um paraíso ecológico possui já os seus problemas de desequilíbrio natural, alguns deles de difícil solução e que se têm agravado nos últimos anos.
As “denúncias” que a seguir se apresentam, servem como exemplo do que atrás afirmei:
- “Falar de Ambiente nos Açores em 5 de Junho de 1985, deveria ser transmitir uma mensagem de confiança no que já foi feito e de esperança no que se poderá ainda fazer. Mas quando se vai às nossas praias e nos sentamos no meio de detritos, nos sujamos de alcatrão, ou afastamos com despreocupação garrafas de plástico, é tempo de se reflectir.
Serenamente, inconscientemente (será por inconsciência?) deixa-se que se façam afirmações de que o cemitério atómico do Atlântico não tem perigo, porque não apresenta sinais de radioactividade. Como poderia tê-los, se só dentro 20 ou 30 anos – pelo menos – poderemos ter condições mínimas para o verificar? Mas ninguém, ou quase ninguém protesta.” (Dr. Vasco Garcia, Correio dos Açores, 05/06/1985)

- “É muito confrangedor ver ano após ano, uma região a devastar-se a si própria, por falta de conhecimentos específicos, baseando-se em critérios económicos ou políticos, ou em conceitos de “bem-estar” que não lhe são próprios” (Dr. Gerard Le Grand, Directo)

- “…existe uma grande preocupação em que a praga (do escaravelho japonês, existente na Terceira) se estenda para as outras ilhas da Região, o que poderá impedir no futuro a exportação de vegetais do arquipélago, nomeadamente para o continente.” (Açoriano Oriental, 07/01/1984)

- “Embora mais numas ilhas do que outras, é certo que o património natural marinho dos Açores começa a ser deveras ameaçado pela prática, quantas vezes incontrolada, da caça submarina…” (Correio da Horta, 26/06/1984)

- “A Localização da moagem de clínquer, uma indústria geradora de ruídos e poluidora do ambiente devido, essencialmente a poeiras que se infiltram por todo o lado, inutilizando culturas e conspurcando tudo numa vasta área, tem levantado protestos da população, encontrando nas autarquias e outras entidades locais todo o apoio.” (Açoriano Oriental, 28/11/1984)

- “Furnas – um paraíso de águas inquinadas e esgotos a transbordar.” (Açores, 11/01/1985)

- “Segundo dados existentes no Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores, a composição da água de consumo público nos Açores apresenta elevados níveis de contaminação bacteriológica, estando assim perigosamente inquinada, e sendo imprópria para consumo.” (Jornal da Praia, 15/03/1983)

- “A fábrica de Agar da Terceira lança ao esgoto uma solução de água com ácido sulfúrico e soda cáustica… A poluição da orla marítima da Terceira está a provocar o desaparecimento de várias espécies piscícolas como a Sardinha e a Salema.” (Correio dos Açores, 04/05/1985)

- “A proliferação do pardal está a por em perigo a agricultura micaelense.” (Correio dos Açores, 03/05/1984)

- “Os dados expressos (…) dão bem uma visão do estado crítico em que se encontra a flora endémica dos Açores. Vinte e seis (50%) espécies encontram-se ameaçadas em ilhas diferentes.” (Duarte Furtado, Revista “Arquipélago”, Julho de 1984)

E como a lista vai tornando-se longa, fiquemos por aqui. Em seguida iremos focar, com algum pormenor, mas necessariamente em poucas palavras, alguns problemas ecológicos com que se debate a Região. Como era impossível tocar em todos, escolhemos aqueles que ou dizem respeito a todas as ilhas do arquipélago (ou à maior parte dela) ou que pela sua gravidade poderão, num futuro mais próximo, afectar o todo que é a região Açores.

1- O Escaravelho Japonês (Popillia japonica Newman)
Originário do Japão, o escaravelho japonês expandiu-se para outros países, entre os quais os estados Unidos onde em algumas regiões é uma autêntica praga.
“Data de 1970 o ano em que pela primeira vez foram encontrados adultos de E. Japonês na Ilha Terceira, ou, mais precisamente, numa sebe que resguardava a piscina junto ao Clube de Oficiais da Base Aérea das Lajes.” (5)
Não possuindo predadores naturais, a praga tem avançado para o interior da ilha Terceira a partir do Aeroporto das Lajes.
O período de maior actividade dos insectos adultos é nos meses de Julho-Agosto, causando prejuízos nas silvas que constituem sebes vivas, nas vinhas (a videira é a planta mais afectada) e nas pastagens, onde preferem as folhas de trevo.
O combate à praga através da utilização de pesticidas torna-se problemático se se tiver em consideração a defesa das culturas, a protecção das pessoas, gado, enxames e da vida selvagem, em geral.
Um decreto legislativo regional proíbe a importação de vegetais, terra ou outros produtos que possam veicular formas de vivas do escaravelho, dos Estados Unidos e impede a saída da terceira de todos os produtos que poderão fazer com que a praga se alastre para as restantes ilhas dos Açores.
Mas a legislação nunca é suficiente. A tomada de consciência por parte de todos os Açorianos, e dos nossos emigrantes, é fundamental já que, se a praga se alastra a todo o arquipélago toda a economia regional será gravemente atingida.

2- O Pardal (Passer domesticus)
O pardal, vindo do continente português, trazido por militar da Base das Lajes, surgiu nos Açores por volta de 1960, onde encontrou excelentes condições de reprodução, de alimentação e de nidificação.
Embora nos Açores existam cerca de 30 espécies de aves, só o Pardal se tornou numa praga. Todas as outras espécies estão adaptadas ao meio açoriano, mantendo a sua população a um nível próximo de equilíbrio, o que faz com que não levantem problemas de maior à agricultura. Com o Pardal não se passa o mesmo. Em virtude de não ter nenhum competidor e nenhum predador, verificou-se uma explosão demográfica considerável, e facilmente se expandiu para outras ilhas, e em 1984 (Dr. Gerard Le Grand), apenas o Corvo e santa Maria não se encontravam colonizadas. Mas será questão de tempo… Por outro lado a sua alimentação é bastante variável. Come praticamente de tudo: as culturas de cereais são as mais atacadas, a vinha, as abelhas, etc., o que constitui um grande problema para os camponeses.
Que medidas devem ser tomadas para solucionar o problema?
A sua destruição não trará nenhum problema visto não possuir nenhuma importância do ponto de vista da economia das ilhas, nem mesmo do ecossistema açoriano.
Uma campanha à base de químicos não é aconselhável em virtude da sua localização ser sobretudo em centros urbanos e arredores e por ser um vertebrado superior, o que implicaria o uso de pesticidas bastante tóxicos.
Sem causar outros danos, poderia optar-se pela destruição de todos os locais de nidificação, pela captura com armadilhas ou com redes. O Dr. Gerard Le Grand, da Universidade dos Açores, defende, entre outros métodos, o controlo da população de pardais com ajuda de ninhos artificiais em que brigadas especiais ficariam responsáveis pela visita regular, ao longo do ano, de noite para evitar a habituação. O objectivo seria eliminar os ovos, os jovens e as fêmeas poupando os machos, afim de aumentar a sua pressão social no seio da população. Estes machos, em excesso, aumentariam as tensões territoriais o que teria como consequência diminuir o êxito das ninhadas. (6)

Irei, em seguida, referir espécies em perigo de extinção. Começarei pelas aves.
É, sem dúvida, o Priôlo (Pyrrhula murina), a ave mais interessante dos Açores, no dizer do Tem. Coronel José Agostinho, a espécie que se encontra em pior situação. O seu efectivo é muito fraco e vive apenas nas últimas zonas de floresta indígena de Louro, Cedro-do-mato e Urze e nos lugares onde a vegetação é mais densa, no Pico da Vara, em São Miguel. Se medidas de conservação não forem tomadas, corre o risco de desaparecer, em breve.

Com um pouco mais de pormenor falarei das rapinas.
3 – Rapinas (Milhafre e Mocho)
As aves de rapina estão ameaçadas de extermínio em todo o mundo. É o que poderá acontecer com o Milhafre e o Mocho aqui na região.
O Milhafre (Buteo buteo) não existe nas Flores e Corvo, sendo pouco abundante na Terceira e o seu “status” vulnerável, isto é, não em perigo, mas sensíveis à deterioração do seu habitat ou à pressão da caça, na Graciosa o seu efectivo é fraco, estando ameaçado de extinção.
O Mocho (Asio otus) não existe no Corvo, a sua presença é considerada como provável e é comum nas restantes ilhas. (7)
“Diz-se que as aves de rapina são nocivas não se sabendo, no entanto, prová-lo. De facto, uma simples análise da alimentação das rapinas é suficiente para provar o interesse que elas têm para a agricultura e mostrar como a caça é pouco afectada por elas, em virtude de não ser parte importante da sua alimentação. Por exemplo o Milhafre alimenta-se preferencialmente de pequenos roedores (cerca de 57%), insectos (cerca de 27%), pequenas aves (cerca de 6%), repteis (cerca de 8 %) e criações e caça (cerca de 2%). (8)
Nos Açores não é raro alguns caçadores abaterem algumas espécies, por puro vandalismo ou por pedido de alguns agricultores que alegam para tal o facto de aquelas andarem a comer a sua criação; outros abatem-nas pretextando que elas (dão cabo) da caça, o que é falso, como viram. Podemos apontar, ainda, como causas de extermínio das aves de rapina a captura para fins pseudo-científicos, para colecções e ainda a morte motivada por acção de pesticidas e de outros produtos tóxicos, mudanças de habitat, como alterações do coberto vegetal, em grandes áreas, etc.
A verdade é que as aves de rapina, para além de embelezarem as nossas paisagens e enriquecerem o património cultural dos nossos filhos, desempenham um papel essencial no equilíbrio da natureza, limitando o crescimento das espécies prejudiciais à agricultura, desembaraçando o Homem de animais doentes e cadáveres, impedindo assim epidemias. Lanço um apelo para que haja da parte de todos e no interesse comum, a melhor compreensão para com essas aves, protegendo-as devidamente, impedindo-se que com ratoeiras ou pelo abate, se reduza ainda mais o número das que ainda existem.

4 - Flora Endémica
Não tendo em conta líquenes e musgos, existem nos Açores cerca de 960 plantas naturalizadas (Gerard Le Grand, Maio de 1985). Este número inclui as espécies introduzidas e as pertencentes à vegetação primitiva. 62 espécies são endémicas, isto é, não se encontram no seu estado natural noutra parte do globo. (ver quadro abaixo) (9)
S M T G J P F L C Aç.
Flora Total 417 694 607 281 424 512 587 393 297 958
Flora da Macaronésia
Açores 24 48 49 14 48 48 46 41 35 62
Aç/Md 5 10 7 1 7 7 7 8 6 11
Aç/Md/Can 2 3 3 0 2 3 2 2 2 5
Aç/Md/Can/Cab 1 1 1 0 0 0 0 0 1 1
Nº Total de espécies 32 62 60 15 57 59 56 51 44 79
Quadro 1 – Aspectos quantitativos da flora dos Açores (sp. Ssp. variedades); extraído de HANSEN & SUNDING 1985 e observações pessoais

Muitas destas plantas endémicas são raras ou encontram-se, de algum modo, ameaçadas de extinção: 26 das 55 vasculares endémicas existentes. (10)
A vegetação costeira é dominada por ervas, entre elas, predomina e espécie endémica, Bracel-da-rocha ou Bracéu (Festuca petraea). As espécies introduzidas encontram-se localizadas, na maior parte, nas zonas costeiras e habitam até os 300 metros de altitude. Acima dos 500 metros é a zona da Laurissilva, floresta arbustiva e densa de Louro-da-terra e Cedro-do-mato. As espécies dominantes são o Louro-da-terra, o Cedro-do-mato e a Urze.
Desde o início do povoamento dos Açores as espécies vegetais tiveram grande importância para o Homem que aqui passou a residir. De facto, o primeiro combústivel a ser utilizado nos Açores foi, sem dúvida, a madeira. “Assim foram os ramos de Cedros, Vinháticos, de Azevinhos e Zimbreiros, de Teixos e Paus-brancos que iluminaram as primeiras noites dos Homens aqui estabelecidos”. (F.Carreiro da Costa, 1959). Foi a partir da baga do Louro-da-terra que foi extraído o primeiro óleo de origem vegetal utilizado nos Açores. O Dr. Carreiro da Costa diz-nos que “este era muito apreciado e por isso resultaram grandes danos nas matas particulares e matos dos concelhos”. (11)
Se até 1800/50 uma parte significativa das zonas de altitude permanecia selvagem, mas utilizada de maneira intensiva para o fornecimento de madeira para construção e combustível, por volta de 1900 começa a grande procura de madeira para fabrico de embalagens para os frutos exportados. Por esta altura a desflorestação ronda os 250 ha/ano e assiste-se à introdução de plantas exóticas como o Pinheiro, a Criptoméria e a Acácia.
De notar que as espécies indígenas de madeira nobre foram sempre muito procuradas e continuam a sê-lo: o Pau-branco (Picconia azorica), o Cedro-do-mato (Juniperus brevifolia) e a Ginga (Prunus lusitanica ssp. azorica), esta existe apenas em São Miguel, Terceira, São Jorge, e Pico e pode ser considerada uma das dez mais raras dos Açores.
O impacto da actividade humana, sobretudo a procura de madeira para combústivel, a construção, a constituição de pastagens, a construção de estradas e a plantação de espécies exóticas, fez diminuir consideravelmente a vegetação indígena e por e, risco de extinção algumas espécies, o que poderá trazer consequências bastante desagradáveis para nós.
Porém, antes de falarmos na importância da vegetação primitiva, vamos referiri as quatro espécies introduzidas e que, hoje, constituem autenticas infestantes:
- Gigante (Gunnera tinctoria) – Originária do Brasil, existe apenas em São Miguel. Escapou-se dos jardins das Furnas e hoje no Salto do Cavalo alguns alqueires de terra estão já, revestidos daquela infestante. É uma grande ameaça para a floresta indígena e mesmos para os prados.
- Conteira ou Roca-da-velha (Hedychium gardnerarum) – Originária dos Himalaias só não existe no Corvo. Introduzida no século passado como planta ornamental é uma grande ameaça para a vegetação indígena sobretudo Laurissilva.
- Incenso (Pittosporum undulatum) – Originária da Austrália, foi introduzida para abrigo das Laranjeiras, encontra-se naturalizada cobrindo enormes superfícies em toda as ilhas. É uma ameaça para a vegetação indígena costeira, nomeadamente para a Faia-da-terra.
- Clethra arborea – Planta endémica da Madeira, foi introduzida para fins ornamentais em São Miguel. À cerca de 20 a 25 anos, vem-se propagando muito rapidamente na zona Pico da Vara, comprometendo a subsitência da vegetação natural.

A defesa da Laurissilva é fundamental para a população açoriana pois, para além do que já vimos, a sua destruição “altera o meio criando um tipo de vegetação mais exigente à água à base de musgão (Sphagnum sp.) que dá um fluxo hídrico mais irregular e por vezes insuficiente” (12). Em suma, esta floresta por ser menos exigentes em água e por ser responsável pelo abastecimento dos reservatórios de água subterrâneos, devido à ‘precipitação de contacto’ garante a disponibilidade de água para consumo doméstico e industrial e para a irrigação de terras de cultivo.
A utilização de plantas nativas é cada vez mais frequente no combate às doenças e má nutrição a fim de encontrar novos medicamentos e plantas a cultivar”. (13)
Convém recordar que algumas das plantas indígenas dos Açores são já, ou já foram, utilizadas medicinalmente. Da Faia-da-terra pode-se extrair um carvão medicinal utilizado como “absorvente de gases do estômago e intestinos, adstringente intestinal, como antitóxico e fixador de toxinas microbianas intestinais, como absorvente de minerais tóxicos. Usa-se ainda externamente em pomadas para pele doente e em pastas sobre feridas ulcerads”. (14)
Das bagas do Louro-da-terra, para além do óleo ainda hoje utilizado na Madeira pelas famílias mais pobres na iluminação, este é ainda procurado para remédio caseiro.
Da baga da Uva-da-serra (espécie semelhante à nossa; a espécie açoriana não existe na Graciosa), na Madeira produz-se uma compota que, segundo a tradição popular, é bom remédio para a tosse e o catarro. Também nos últimos anos a baga da Uveira foi exportada para França para o fabrico de um medicamento oftalmológico. (15)
Os exemplos que vimos mostram-nos que a flora açoriana poderá ter uma importância económica e médica, que só as gerações vindouras serão capazes de avaliar.
O interesse estético e a sua originalidade pode ser um dos atractivos para as gerações presentes e futuras, assim como para os turistas que nos visitam e muitas vezes se deparam com um clima muitas vezes imprevisível e com falta de outros atractivos.
A flora dos Açores, rica em espécies endémicas, apresenta também interesse do ponto de vista científico. “Botânicos e zoologistas sempre se mostraram muito interessados pela vida animal e vegetal das ilhas. O mais importante estímulo para um futuro desenvolvimento da investigação em grupos de ilhas isoladas, é certamente o proposto os trabalhos de Charles Darwin. A flora e fauna dos Açores oferecem excelentes facilidades para estudos no campo da Taxonomia, Geografia, Sociologia, Ecologia, Genética das plantas, bem como para a história da vegetação”. (Erik Sjorgren, 1984).
Seguem-se algumas sugestões com vistas à protecção da flora endémica:
1- Situando-se a maior área dos Açores com vegetação de espécies endémicas na zona do Pico da Vara, esta deveria ser promovida à categoria de PARQUE NACIONAL.
Parque Nacional é uma “instituição voltada para a protecção da natureza espontânea, com carácter de reserva rigorosa que se estende por grandes áreas, sob jurisdição do estado, com reduzida ou nula presença do Homem” (F. Pessoa). São motivações principais dos Parque Nacionais: (16)
a- Evitar actividades humanas que prejudiquem a conservação de espécies, de ecossistemas ou de regiões de beleza natural;
b- Possibilitar aos visitantes os benefícios (recreativos, educativos e culturais) que a conservação dos parques oferece;
c- Facilitar estudos científicos que são impossíveis noutros locais;

2- Com o objectivo de “preservar determinadas áreas que ainda conservam ecossistemas naturais pouco alterados pela influência humana e/ou que guardam aspectos ou elementos naturais de interesse científico “foram criadas reservas naturais (ex: Lagoa do Fogo, Ilhéu da Vila Franca do Campo, Ilhéu do Topo) e com o objectivo de “salvaguardar áreas rurais ou urbanos onde subsistem aspectos característicos na cultura e hábitos dos povos, bem como nas construções e concepção dos espaços, promovendo-se a continuação de determinadas actividades (agricultura, pastoreio, artesanato, etc.), apoiadas num recreio controlado e orientado para a promoção social, cultural e económica das populações residentes e em que estas participam activa e conscientemente” foram criadas Paisagens Protegidas (ex: Sete Cidades, Monte Brasil e Monte da Guia). Muito mais áreas de interesse haveria a proteger nos Açores, mas sobretudo importa executar a legislação existente. É que, muitas vezes as leis existem, mas ninguém as liga, a começar pelos organismos oficiais. Senão vejamos: em 16 de Fevereiro de 1983 por Decreto Legislativo Regional nº3/83/A, de 3 de Março foi criado a Reserva Natural do Ilhéu da Vila Franca do Campo. O artigo 11º do referido decreto diz-nos: no prazo de um ano, a contar da data de publicação do presente diploma, deverá estar elaborado o projecto de ordenamento da Reserva Natural por um grupo de trabalho nomeado por despacho do Secretário Regional do Equipamento Social e do qual farão parte representantes da Secretaria Regional da Agricultura e Pescas, Secretaria Regional dos Transportes e Turismo, Câmara Municipal de Vila Franca do Campo e do Departamento Marítimo dos Açores”. Não sabemos se o grupo de trabalho chegou a ser criado, o que se sabe é que o projecto de ordenamento ainda não existe.
3- “A criação de jardins botânicos minúsculos, pequenos ou mais, importantes ao nível das localidades, das instituições ou mesmo da região, a fim de, a longo prazo, salvaguardar o maior número possível de espécies, de modo a favorecer o seu conhecimento e pesquisas. Abertos ao público, serão instrumentos de educação e informação incomparáveis.
4- O amor pelas plantas tem grande tradição nas nossas ilhas. Quem não tem um pequeno jardim ou terrenos onde possa cultivar, em vez de uma exótica, uma espécie que é nossa.

Muitos outros problemas relacionados com a natureza poderiam, e deveriam, ter sido referidos mas não o fiz, apenas, por falta de tempo disponível.
Tendo em consideração o postulado fundamental da Ecologia que diz que “Tudo está relacionado com Tudo”, os ecologistas não só se interessam “pelos problemas da natureza, mas também pelas relações interpessoais, sociais e económicas e ainda pela questão política.
Não queria terminar sem citar dois excertos do folheto de apresentação dos Amigos da Terra.
“Não rejeitamos a ciência nem certas tecnologias, mas pensamos que a Revolução Ecológica, embora devendo basear-se na ciência, a ultrapassa na medida em que implica novos valores, uma nova ética e uma nova filosofia de vida (que inclui o antimilitarismo, a autogestão e a descentralização) baseada no redescobrir das necessidades essenciais e autênticas do ser humano, na cooperação e no uso racional do meio ambiente.
A Revolução Ecológica (que implica uma Revolução Cultural), deve ser também a Revolução da Dúvida: da dúvida sobre os padrões de comportamento da sociedade de consumo, da dúvida sobre a actual política do benefício do crescimento económico, de dúvida sobre actual política energética, de dúvida sobre a actuação dos partidos e órgãos de poder político”.

“O futuro não está traçado. A “catástrofe” só acontecerá se nos alhearmos dos problemas. Sejamos Nós a Traçar o Nosso Destino”.

Referências

(1) SILVA, Carlos Eduardo Lins, “Ecologia e Sociedade”, Edições Loyola, São Paulo, 1978.
(2) ELOI, António, “Mudar os discursos, mudar as armas”, in “A Urtiga” nº16, Lagos, Março de 1983.
(3) In “A Ideia” nº36/37, Lisboa, Junho de 1985.
(4) “Princípios mínimos para o máximo entendimento”, Documento aprovado no 1º Encontro Nacional de Ecologistas realizado em Tróia, Março de 1985.
(5) SIMÕES, Ana, “Popillia japonica Newman na Terceira”, in “Arquipélago”, série Ciên. Nat., nº5, Julho de 1984.
(6) LE GRAND, G., “Le moineau Domestique (Passer domesticus) aux Açores”, in “Arquipélago”, série Ciên. Nat. Nº4, Julho de 1983.
(7) LE GRAND, G., “Status e distribuição da avifauna nidificante no arquipélago nos Açores, in “Priôlo” nº2, 1984.
(8) Folheto do Centro de Estudos e Migração e Protecção de Aves.
(9) LE GRAND, G., “Campanha a favor das Plantas Indígenas”, Ponta Delgada, Julho de 1984.
(10) SOARES, Duarte, “Status e Distribuição das plantas vasculares endémicas dos Açores”, in “Arquipélago”, série Ciên. Nat. nº5, Julho de 1984.
(11) COSTA, Francisco Carreiro, “O lume nas traduções populares açorianas”, Boletim nº29/30 da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, Ponta Delgada, 1959.
(12) FURTADO, D, SJOGREN, E., LE GRAND G., “Pico da Vara uma zona de valor internacional a preservar”, Açores, 1982.
(13) Ibid.
(14) DIONÍSIO, J. Andrade, “O valor medicinal da Myrica faya das nossa matas”, I Conferência da Liga para a Protecção da Natureza, Funchal, Abril de 1950, Citado por R. Quintal num seu artigo na “Ideia” nº36/37.
(15) QUINTAL, R., “A Ilha da Madeira, da Floresta Primitiva ao Jardim Botânico actual”, in “A Ideia” nº36/37, Junho de 1985.
(16) SANTO, T. R. do Espírito, “Alguns aspectos da problemática do Ambiente”, IDL Instituto Amaro da Costa.
(17) LE GRAND, G., “Campanha a favor das Plantas Indígenas”, P.D., Maio de 1985.

Além das publicações já referidas foram também consultadas as obras seguintes:
SJOGREN, E., “Flores”, Upsala, 1984.
PESSOA, Fernando, “Ecologia e Território”, Afrontamento, Porto, 1985.
LE GRAND, G., “Ornithologie et Conservation aux Açores”, Tese de Doutoramento, Universidade dos Açores, 1984.
PALHINHA, Ruy Telles, “Catálogo das Plantas Vasculares dos Açores”, Sociedade de Estudos Açorianos Afonso Chaves, Lisboa, 1966.

Teófilo Braga, 1985 (?)

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