A nível mundial, fala-se actualmente, e com muita frequência em ALTERAÇÕES GLOBAIS NO NOSSO PLANETA, alterações estas, causadas pelas actividades humanas. Apesar de ainda existirem cépticos, que põem em causa a existência real de tais acontecimentos, sugerindo que se trata de flutuações naturais, a globalidade da comunidade científica e um cada vez maior número de cidadãos, encontram-se preocupados com essas alterações. A continuar o nosso comportamento no mesmo sentido que tem vindo a seguir nos últimos séculos, ninguém pode prever, qual a evolução futura do planeta.
ALTERAÇÕES GLOBAIS
Alterações na composição da atmosfera.
Verifica-se actualmente um aumento da concentração de gases com efeito de estufa, que poderão levar a um aumento da temperatura atmosférica, como sejam. dióxido de carbono, metano, óxidos de azoto, clorofluorcabonetos, etc. O efeito de estufa consiste na captura do calor solar pela. atmosfera terrestre, sem que ocorra a sua subsequente libertação para o espaço (efeito semelhante ao provocado pelos vidros de uma estufa), e é causado pela acumulação dos referidos gases, que permitem a passagem da radiação solar, mas que impedem que o calor seja irradiado para o espaço, fazendo aumentar a temperatura da atmosfera, provocando o aquecimento global do planeta e possíveis alterações climáticas. O gás com maior importância para este processo, o dióxido de carbono, é emitido à taxa de 1,1 toneladas por habitante, por ano (através da queima de combustíveis fôsseis, que lança para a atmosfera mais de 3,3 biliões de toneladas de carbono. (1). Este problema é acentuado pela destruição das florestas, que absorveriam uma parte do dióxido de carbono, essencial para a fotossíntese (isto é, para o crescimento das plantas). Infelizmente, a floresta tropical está a desaparecer ao ritmo de 250 mil quilómetros quadrados por ano. Mantendo-se a taxa actual de diminuição do coberto florestal, todas as florestas desaparecerão dentro de 50 anos. Aos milhões de toneladas de carbono, libertadas actualmente para a atmosfera pela utilização de combustíveis, soma-se mais cerca de 1 bilião de toneladas por ano, resultantes da destruição da floresta (1). Caso a temperatura média da Terra suba 5 ou 6 graus Celsius, os gelos polares fundir-se-ão. Tal facto provocaria a subida do nível médio das águas dos oceanos, de modo que grandes áreas continentais seriam submersas. Até ao ano 2050, a terra poderá aquecer, em média, entre 2 e 4,5 graus Celsius (1). Como consequência, as produções de trigo, milho e arroz (principal alimento de três quintos da população) serão afectadas. O padrão das precipitações alterar-se--ia em todo o mundo, em 2100 a precipitação anual em Portugal poderia sofrer uma redução de 60% (2). Pode-se falar já de um aumento da temperatura média entre 1975 e 1990, embora aquele não atinja um grau Celsius.
Uma outra alteração na composição da atmosfera é a rarefacção da camada de ozono (situada entre os 20 e os 40 km acima da superfície), causada pelos clorofluorcarbonetos que são actualmente um constituinte da atmosfera de todo o planeta. É a camada de ozono que nos protege de certas radiações solares na banda dos ultravioletas, nocivas para o Homem. A importância do ozono reside no facto de que as suas moléculas absorvem uma parte significativa das radiações ultravioletas mais energéticas ( os chamados UV-B). As consequências mais directas na saúde humana podem ir de lesões na pele ou nos olhos (cataratas), e da diminuição da resistência às infecções, até ao cancro da pele. A fauna será afectada de modo semelhante. A produtividade das culturas poderá diminuir e, tanto o zooplântcton como o fitoplâncton (animais e plantas, em geral de dimensões microscópicas, que vivem nas camadas superficiais dos oceanos), base das cadeias alimentares marinhas, serão afectados. A rarefacção da camada do ozono será negativa para todos os seres vivos e para todos os ecossistemas. Duas zonas apresentam uma diminuição importante da camada de ozono, as regiões polares. No entanto, dados recentes apontam para uma redução do ozono no Hemisfério Norte, o que poderá afectar regiões populosas como o Canadá, os Estados Unidos e o Norte da Europa. A perda de ozono desde 1978 poderá atingir perto de 5% (3). A rarefacção da camada de ozono pode ser observada à latitude a que se situa Portugal, embora seja de apenas 3%, o que é pouco quando comparado com as regiões polares, onde se chega a registar uma diminuição sazonal da ordem dos 20% (2).
Uma terceira alteração, consiste no aumento da concentração dos óxidos de enxofre e de azoto, emanados pelas combustões domésticas e industriais, e pelos motores de combustão. Estes gases combinam-se com a água na atmosfera, formando ácido sulfúrico e ácido nítrico, o que origina chuvas ácidas, que afectam florestas( destruindo a folhagem) e lagos na América do Norte e no Norte da Europa ( provocando a morte dos lagos).
Nas primeiras décadas do próximo século serão, provavelmente conhecidas as primeiras consequências da alteração na composição atmosférica, iniciada com a revolução industrial.
Alterações nos sistemas oceânicos
As alterações nos sistemas oceânicos, que cobrem 70% da superfície do globo, são causadas por vários processos. Ao nível da composição química do meio marinho, verifica-se a introdução de substâncias estranhas, como ocorre nas marés negras, (as marés negras têm vindo a tornar-se. assustadoramente frequentes), na limpeza de navios no alto mar Ou, ultimamente. através da introdução, acidental ou premeditada, de metais pesados e de "lixo radioactivo". Por exemplo, por ano a Europa lança no mar um milhão de toneladas de lixos perigosos (2), sendo os rios com elevados níveis de poluição, um veículo importante para essas contaminações. Ao nível dos ecossistemas marinhos, as alterações devem-se a uma pesca abusiva, tanto de peixes e crustáceos; como de mamíferos marinhos, à destruição de muitos recifes de coral, à descaracterização completa de muitas zonas litorais (sistemas de dunas, "rias", estuários e zonas de marés), devido a uma urbanização não planificada e ao lançamento de esgotos industriais e domésticos sem qualquer tratamento. Os problemas agravam- se em mares com uma comunicação limitada com o oceano, como o Mar Mediterrânico e o Mar Báltico, e ultimamente, no Golfo Pérsico.
Alterações na ocupação do solo
O solo constitui o capital mais precioso de que o homem dispõe para a satisfação das suas necessidades. São necessários cerca de 300 anos para formar 3 centímetros de solo arável, no entanto, uma gestão descuidada pode eliminá-los em apenas dez anos. Além disso, se o solo não estiver protegido, uma tempestade pode remover essa camada em algumas horas (4). Em todas as zonas onde as árvores desapareceram, o solo empobreceu. Calcula-se que 700 milhões de hectares de terra de cultivo ( metade do total) se encontrem degradadas (5).
Nos próximos quarenta anos e devido à erosão dos solos, ficarão provavelmente perdidas cerca de 30% das terras cultiváveis(2), que constituem menos de um quarto das terras do planeta(1). A erosão destrói, anualmente, em Portugal, 16.4 toneladas de solo por hectare. No início da década de 80, avaliaram-se em seis milhões de hectares as superfícies que anualmente se desertificavam. A destruição de florestas tropicais e temperadas, e a conse¬quente redução da sua área, o aumento da desertificação, o aumento da extensão das terras de cultivo e para exploração florestal (com espécies de crescimento rápido) e das áreas dedicadas ao apastamento, as alterações no curso dos rios para a construção de barragens e diques, a desflorestação das margens e a consequente degradação das bacias fluviais, são algumas das alterações a este nível. Por outro lado, muitas formas de uso do solo, como a intensificação das aplicações de adubos químicos e de pesticidas, levaram à contaminação das reservas de água potável (lençóis freáticos) e de muitas zonas húmidas (lagos).
Alterações dos ecossistemas por introdução de espécies exóticas
É um problema grave, que pode originar grandes prejuízos económicos, para alem da degradação de ecossistemas naturais. Espécies que evoluíram em locais diferentes daqueles em que são introduzidas, encontram-se num meio onde não existem os seus inimigos naturais (predadores, parasitas, doenças, espécies competidoras), que no seu local de origem, regulavam a sua abundância, ou seja, impediam a sua proliferação ilimitada. Desde que encontrem, no seu “novo” habitat, condições climatéricas e nutrientes ou alimento disponíveis, podem expandir-se sem controlo, constituindo uma ameaça para as outras espécies. Por exemplo, no Hawai, a introdução acidental de várias espécies de roedores, levou à introdução sistemática de um pequeno mamífero carnívoro, o mangusto, por ser um caçador diurno, não teve uma acção eficaz no controlo dos roedores e, pior do que isso, constitui uma ameaça para as espécies de aves que nidificam ao seu alcance. Temos também, o caso de uma pequena árvore, natural dos Açores, a faia (Myrica faya), que foi introduzida no Hawai, no fim do século passado, por emigrantes portugueses, tendo-se tornado uma invasora nas florestas endémicas do Hawai e sendo considerada uma infestante, a combater por todos os meios, Exemplos desta natureza abundam nos quatro cantos do mundo.
Diminuição rápida do número de espécies
No passado geológico, já ocorreram vários episódios de extinção de espécies (quem nunca ouviu falar da extinção dos Dinossauros?) mas, actualmente, a taxa de extinção é muito mais elevada do que em qualquer desses períodos. No passado, as extinções ocorriam ao longo de milhões de anos, actualmente decorrem em séculos ou décadas. Esta modificação da Biosfera é das mais preocupantes, pois, uma vez extinta, uma espécie estará perdida para sempre, isto é, trata-se de uma alteração irreversível Foram necessários milhares de milhões de anos para se alcançar a diversidade de espécies existentes no planeta Terra. Unicamente devido à destruição de habitates provocada pelo homem, estima-se que desapareça uma espécie por dia(4).
No próximo século, os dias serão mais quentes, os solos mais áridos, a precipitação menos abundante, a humanidade continuará a aumentar em flecha nas zonas mais pobres do mundo(2), a diversidade biológica diminuirá. A chamada “Bomba P”, o aumento da população poderá ter, a prazo, efeitos muito perniciosos na qualidade do ambiente. Há quem ponha a seguinte questão: se o conjunto da humanidade vivesse de acordo com o modelo de sociedade, adoptado pela população mais rica do planeta (países industrializados) então, 1500 milhões seria, teoricamente, o número máximo de seres humanos suportados pela Terra, sem destruir por completo o equilíbrio ecológico. No século passado (XIX), existiam cerca de 1000 milhões de seres humanos. Neste. momento, a população humana ultrapassa já os 5000 milhões, será portanto legitimo incutir nos habitantes dos países em desenvolvimento, a crença de que poderão no futuro atingir o modelo da sociedade industrializada? No ano 2000 existirão, no Terceiro Mundo, 295 cidades com mais de 1 milhão de habitantes e mais de 138 nos países industrializados. Por essa data, 50% da população mundial estará concentrada sobre menos de 0,4% da superfície dos continentes (1).
ALTERAÇÕES REGIONAIS – AÇORES
A nível da atmosfera
Devido à circulação atmosférica, sofreremos ,inevitavelmente, os efeitos do aumento da concentração do dióxido de carbono na atmosfera. Por outro lado, estamos a contribuir para o aumento da concentração de metano, através da criação de gado. A diminuição da camada de ozono, ainda não nos afecta directamente, já que, uma rarefacção de cerca de 3%, como a que ocorre às nossas latitudes, está ainda longe da rarefacção verificada no Antárctico, cerca de 20%. É de salientar o facto de que existe a possibilidade de que vários químicos, resultantes de actividades industriais inexistentes neste arquipélago, ainda tenham chegado por transporte atmosférico.
Alterações no Oceano
Muitas das zonas de mares têm sido ameaçadas, pela extracção de areais, pelo vazamento de lixos na costas das ilhas (6,7,8), pela exploração abusiva de certos recursos, como as lapas, as lagostas, e outros mariscos. Certas espécies de peixes, como o mero poderão estar ameaçadas, não se conhecendo em concreto qual o impacto da pesca artesanal, da pesca à linha e da caça submarina. Muitas espécies ainda existentes na época de Gaspar Fructuoso, já não se encontram nestas costas. As aves marinhas, nomeadamente o cagarro (Puffinus puffnus), o corvo-marinho (Phalacrocorax carbo), a cagarro (Calonectris diomedea borealis)e o garajau (Sterna hirundo e Sterna dougallii) (4), estão também ameaçadas, existindo provas de que estas espécies continuam a ser caçadas pelos habitantes destas ilhas. As zonas de descanso e nidificação destas aves têm diminuído muito. Quanto aos mamíferos, o lobo-marinho, Monachaus monachaus, ainda existente nas Selvagens, já desapareceu há muito destas águas. Em geral, a fauna marinha no início do povoamento português era mais abundante e diversificada do que actualmente (4).
Introdução de espécies exóticas.
Esta é flagrante, e inclui, desde insectos até mamíferos, assim como numerosas plantas, algumas das quais parecem ter até alguma importância cultural, como o incenso e vindo da Austrália (Pittosporum undulatum), utilizado na formação de sebes, e com um perfume muito apreciado, cobre grandes superfícies em todas as ilhas) e a conteira (Hedychium garderanum) ou roca da velha, proveniente dos Himalaia , utilizada como ornamental, e até para embrulhar o queijo branco (7), mas que se apresentam, realmente, como invasoras muito agressivas que alteraram por completo a paisagem açoriana. De facto, para se penetrar no que resta do faial é necessário utilizar uma foice para cortar a densa barreira de conteira. Por outro lado, em muitas zonas costeiras, a cana (Arundo donax) apresenta-se como dominante. Chega-se até ao ponto de colocar, em tocais frequentados por grande número de pessoas, grandes fotografias de áreas cobertas por conteira ou por criptoméria, como se estas constituíssem já, um ponto de interesse turístico. Será, no entanto, mais prudente não esquecer que as plantas invasoras colocam em risco os nossos frágeis ecossistemas insulares (13,8). O combate a estas infestantes afigura-se muito difícil devido à extensão já invadida e a características inerentes às próprias plantas. Devia procurar-se, no entanto impedir o seu alastramento a zonas ainda não atacadas, assim como o alastramento de outras, plantas que ainda podemos controlar, talvez sem grandes dispêndios de capital, como a Gunera ou Gigante (Gunnera tinctoria), originária do Brasil (6), que escapou do jardim das Furnas, existindo actualmente no Salto do Cavalo, alguns alqueires revestidos exclusivamente por esta planta. Existem pessoas que a plantam, em vasos, inocentemente, facilitando a sua dispersão. para a zona ocidental de São Miguel. A hortênsia (Hydrangea macrophylla) nem parece ser originária do Japão (13), de facto, são plantas como esta, que não pertencem ao património natural dos Açores, as primeiras a serem replantadas, sendo-lhes estranho o estatuto de infestantes.
Deve salientar-se que a floresta endémica, porque menos exigente em água, e por ser responsável pelo abastecimento. dos. Reservatórios de água subterrâneos (7) contribui para a conservação, dos recursos hídricos. Por outro lado, convém não esquecer o seu interesse estético e científico.
Ao nível, das aves, encontramos o exemplos do Pardal, Passer domesticus, introduzido nestas ilhas, e que constitui já uma ameaça para o canário-da-terra, Serinus canarius canarius (14).
No que se refere aos mamíferos, as espécies açorianas pertencem à fauna da Europa temperada, tendo sido introduzidos, voluntária ou involuntariamente, pelos colonizadores (15), incluindo o morcego do Norte da Europa. Do mesmo modo, a rã, o tritão (anfíbios) e a lagartixa (réptil) foram também introduzidos. O mesmo sucedeu com as sanguessugas (vermes) (15). Saliente-se o caso do tritão de crista que, embora introduzido., não é considerado nocivo para os ecossistemas' açorianos, sendo talvez uma espécie a preservar, uma vez que as populações europeias deste anfíbio se encontram ameaçadas devido à pressão humana (11).
Diminuição do número de espécies
A vegetação costeira, que apresenta várias espécies endémicas, está em perigo, os lixos e os entulhos estão a destruir quilómetros de costa (13). O faial onde domina a faia¬da-terra (Myrica faya) cobria vastas áreas de baixa altitude e que originou os solos de melhor aptidão agrícola, está completamente destruído e as espécies que o .constituíam em perigo de extinção. A flores de média altitude, a LaurissiIva, dominada pelo louro-bravo (Laurus azorica) apresenta uma distribuição muito restrita, sendo já muito rara. Nas zonas de maior altitude a floresta de cedro-da-terra, o Zimbral; é o coberto florestal melhor representado. A destruição destes tipos de associações vegetais levará ao desaparecimento de muitas espécies de plantas endémicas.
Por outro lado, algumas espécies da flora aquática regionais estão ameaçadas devido. ao avançado estado de eutrofização de algumas lagoas e lagoeiros (16).
Ao nível das aves, o Priôlo, Phyrrula murina, ave endémica deste arquipélago, encontra-se ameaçado de extinção. No século passado era uma espécie abundante na parte oriental da ilha de São Miguel. Foi vítima de aplicações de DDT em árvores de fruto, e da redução da área de Laurissilva (14). O pombo torcaz, Columba palumbus azorica, também se encontra ameaçado, o seu efectivo é reduzido.(12), tendo decorrido uma campanha que levou a obtenção do estatuto de espécie protegida (16). O pombo torcaz é uma subespécie, endémica deste arquipélago, perseguida pelos caçadores, embora ao abrigo. da Lei da caça (12), e ameaçada pela modificação da paisagem e pelos pesticidas. Há 250 anos ma outra espécie de pombo, ligado à floresta de louro extinguiu-se, devido à caça excessiva e à destruição do seu habitat particular. Por razões semelhantes, a narceja (Gallinago gallinago) e a galinhola (Scolopax rusticola), espécies nidificantes nos Açores, apresentam efectivos muito reduzidos(9), assim como uma ave migratória, o pato real (Anas platyrhynchos), que nidificava em S. Miguel, nas zonas húmidas. O próprio Milhafre, Buteo buteo, foi afectado nos locais onde se efectuaram campanhas de desratização(11). De um modo geral o desrespeito pela lei da caça está a levar à destruição da riqueza cinegética dos Açores (9).
Por outro lado, muitos dos locais onde nidificavam aves marinhas são perturbados pele acção humana, como acontece no ilhéu de Vila Franca do Campo (São Miguel), no ilhéu de Baixo do Moinho (Flores) e no ilhéu da Praia (Graciosa), locais onde é imperativo que se tomem medidas de consciencializa¬ção dos seus frequentadores, no sentido de respeitarem as aves marinhas que ai se reproduzem. Também não se compreende que haja indivíduos capazes de massacrar garças-reais e cagarros, embora atentados como esses ainda sucedam actualmente. Muitos cagarros são mortos no ilhéu de Vila Franca, e os seus ninhos violados para fazer petiscos (16). A ameaças do mesmo género estão sujeitos os garajaus do ilhéu da Vila (Santa Maria) (11, 17). Lamenta-se e condena-se a apanha de toninhas, tartarugas e cagarros (11). A perturbação pelo homem é a maior ameaça ao garajau rosado e ao garajau comum, durante o período reprodutor (11). O seu número está a diminuir assustadoramente devido à poluição do mar e à destruição dos ovos (18).
Alterações na ocupação dos solos
Nestas ilhas, o solo é um bem escasso, de difícil e longa recuperação, no entanto,. tem-se assistido à perda de toneladas de solo. Os terrenos dedicados às pastagens têm vindo a aumentar progressivamente. A chamada "monocultura da vaca", o derrube de árvores, a abertura de caminhos de penetração, levou a uma maior erosão do solo e à redução da infiltração da água das chuvas (6) e facilitou a dispersão de muitas infestantes. Como consequência temos a perda da quase totalidade das zonas de floresta endémica: nas zonas costeiras, no faial e em altitude, onde ocorria a laurisilva. Em 1984 a área coberta por floresta era de apenas 10% nos Açores. Os especialistas afirmam, no entanto que, ao nível insular, a floresta assume um papel fundamental na protecção dos solos e na melhoria da sua qualidade, na regularização dos caudais das principais linhas de água, na conservação dos recursos hídricos e no abrigo de terrenos de cultura, contribuindo além disso para o enriquecimento da fauna e da flora(6,9). A situação problemática das águas de consumo público e as carências de água em algumas áreas, são o reflexo da irregularização do regime hídrico regional (9) Do mesmo modo, grandes extensões foram ocupadas por plantações de criptoméria (Cryptomeria japonica). Algumas das mais “belas” paisagens açorianas não são mais do que áreas cobertas por criptoméria. Mesmo em volta de muitas lagoas, a floresta endémica não foi poupada, o que tem as consequências que todos conhecemos: aumento da deposição de sedimentos e eutrofização das lagoas. A floresta tem um papel importante na regularização do ciclo hidrológico, o seu abate em bacias de recepção de água leva a um regime hídrico indesejável e a uma degradação da qualidade da mesma (10). Será realmente necessário aumentar ainda mais a zona de pastagem? Essa prática aumentará de facto a qualidade de vida dos Açorianos? Há também a extracção das leivas, inclusivamente, em plena Reserva Natural da Lagoa do Fogo, que facilita a erosão dos terrenos (11). Só a floresta endémica, ou um compromisso entre as áreas de floresta endémica e as áreas de floresta de crescimento rápido, poderá recuperar os solos, aumentando a sua produtividade.
Por outro lado a fertilização azotada, com base em adubes químicos, muitas vezes utilizados em excesso, é responsável pelo excesso de nitratos nos solos, o que pode levar à contaminação das águas subterrâneas, do mesmo modo que os esgotos urbanos e pecuários, quando lançados em ribeiras ou no subsolo (7,12). Estes excessos levam também à degradação da qualidade das águas das lagoas da ilha de S. Miguel (11) bem como as lagoas de outras ilhas, para o que contribuíram os arroteamentos de vastas áreas arborizadas para o alargamento da superfície agro- pastoril, e o uso descontrolado de adubos e pesticidas.
Embora não se tratando propriamente de alterações no solo, não posso deixar de referir os atentados ao património espeleológico (grutas e algares vulcânicos) e geológico (destruição de formações vulcânicas raras, como sejam vários tipos de cones vulcânicos).
A imagem dos Açores como paraíso ecológico está a desaparecer rapidamente, devido à exploração desenfreada dos recursos naturais. As alterações causadas nestes ecossistemas são mais do que evidentes, conhecendo-se e com exactidão as suas consequências para o. nosso futuro. Mas, esta incerteza é por si só, suficiente para nos preocuparmos. A contaminação das nascentes, a eutrofização, das lagoas, e a ausência de tratamento adequado dos resíduos sólidos urbanos, são problemas que exigem uma tomada de posição de todos os cidadãos conscientes. Pelo menos, devíamos dirigir os nossos esforços para conservar os poucos vestígios de floresta endémica, as, lagoas, únicas em toda a Macaronésia e procurar respeitar as zonas litorais. De outro. modo, o que será destas "ilhas de Bruma"? Nada mais do que pastos verdejantes, e sinuosos contrastando com o azul etéreo do mar e o céu cinzento carregado; mas poderíamos ter muito mais... O que nos caracterizará então, quando tivermos perdido o que nos diferencia de outros locais e povos? Já ninguém virá aos Açores para visitar a Laurissilva ou as Lagoas, mas sim para fotografar plantas vindas da Austrália ou dos Himalaias. O que será dos açorianos, como se definirão a si próprios?
BIBLIOGRAFIA
1- Antunes, C. P. Juquin, P. Kemp, I. Stengers, W. Telkamper e F. Ottowolf, 1990. Ecosocialismo, Uma Alternativa Verde para a Europa. Divergência, Lisboa.
2- O Público, Magazine, nº 147, 27/12/1992.
3- O Biólogo, Associação Portuguesa de Biólogos, nº21, Outubro a Dezembro de 1992.
4- Vidália, Boletim dos Amigos dos Açores- Associação Ecológica, nº 9, Janeiro- Abril de 1992.
5- Zimbro, Boletim dos Amigos da Terra- Açores, nº 16, Agosto- Outubro de 1987.
6- . Zimbro, Boletim dos Amigos da Terra- Açores, nº 12, Dezembro de 1986- Janeiro de 1987.
7- . Zimbro, Boletim dos Amigos da Terra- Açores, nº 14, Abril- Maio de 1987
8- Vidália, Boletim dos Amigos dos Açores- Associação Ecológica, nº 8, Outubro- Dezembro de 1991.
9- Vidália, Boletim dos Amigos dos Açores- Associação Ecológica, nº 0, Junho de 1989.
10- Vidália, Boletim dos Amigos dos Açores- Associação Ecológica, nº 1, Outubro- Dezembro de 1989.
11- Vidália, Boletim dos Amigos dos Açores- Associação Ecológica, nº 10, Maio- Dezembro de 1992.
12- Vidália, Boletim dos Amigos dos Açores- Associação Ecológica, nº 4, Setembro- Dezembro de 1990.
13- Zimbro, Boletim dos Amigos da Terra- Açores, nº 19, Março- Abril de 1988
14- Vidália, Boletim dos Amigos dos Açores- Associação Ecológica, nº 2, Janeiro- Abril de 1990.
15- Vidália, Boletim dos Amigos dos Açores- Associação Ecológica, nº 3, Maio- Agosto de 1990.
16- Vidália, Boletim dos Amigos dos Açores- Associação Ecológica, nº 6, Abril- Junho de 1991.
17- Zimbro, Boletim dos Amigos da Terra- Açores, nº 7, Janeiro- Fevereiro de 1986.
18- Zimbro, Boletim dos Amigos da Terra- Açores, nº 17, Novembro- Dezembro de 1987.
(Texto de Luís Siva, extraído de Terra Mãe, Suplemento do Jornal A Vila, 3 de Agosto de 1993)
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